Mitos econômicos brasileiros #2: “O Brasil tem uma carga tributária muito elevada”

Os “arautos da carga tributária” mais bem informados podem até reconhecer que é bobagem dizer que o brasileiro é quem mais paga impostos no mundo. Mas, ainda assim, poderão objetar que se trata de uma carga extremamente elevada, semelhante à do Reino Unido (35,2%) e bem maior que a de Canadá (30,7%) e Suíça (28,2%), que, diferentemente do Brasil, têm  excelente provisão de serviços públicos e seguridade social.

Certo. É verdade que muita gente paga muito imposto no Brasil, especialmente os assalariados (essa discussão merece ser feita, mas é outro debate). Mas fazer uma comparação usando apenas um único parâmetro, o de Carga Tributária Bruta (CTB) simplifica as coisas: dá a impressão de que Tributos = Dinheiro do Estado. Na realidade, as coisas não são bem assim. Um debate mal feito leva a políticas mal feitas. O “truque” está no uso disseminado e exclusivo do conceito de CTB, ou seja, total de impostos dividido pelo PIB.

Só que nem todo o dinheiro arrecadado pelo Estado fica com ele. Para fazer uma comparação justa dos países ricos com o Brasil (ou com qualquer país) é preciso ver efetivamente o quanto fica com o Estado.

Acontece que, do total “bruto” recolhido dos impostos pelo Estado, parte é redistribuída diretamente para o cidadão, na forma de transferências obrigatórias (aposentadorias, pensões, assistência e programas de renda mínima) e subsídios (financiamento habitacional, da produção industrial e agrícola, por exemplo), e não entra efetivamente na “caixa preta”.

Ao subtrair essas transferências e subsídios do total de tributos arrecadados pelo poder público temos a “carga tributária líquida” (CTL). O conceito é bastante útil para a análise. A CTL é a quantidade de recursos que efetivamente fica com União, estados e municípios para prover serviços públicos, investir em infraestrutura, defesa, manter a máquina, pagar juros etc.. Comparações com outros países usando esse conceito dão um ponto de partida melhor para debates sobre a eficiência do Estado.

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Quando se trabalha com o conceito de CTL, o quadro brasileiro parece bem menos assustador: a carga tributária líquida do Brasil em 2012 vai de 35,85% para 19,82%. Mais: em comparação com o ano passado, a carga tributária líquida na verdade caiu (-1,74%) em relação ao ano anterior. Entre 2002 e 2012, a carga tributária líquida ficou praticamente estável, variando entre 17,28%, em 2003, e 20,17%, em 2011. Na média do período, a CTL ficou em 19,96% ao ano.

Na comparação com outros países, o Brasil “cai pelas tabelas”. No levantamento feito em 2008 (referente a 2007) pelo IPEA, entre 18 países, o país tinha a 10ª maior carga tributária bruta da lista, mas a 13ª carga tributária líquida.

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Ainda assim, vendo o Brasil na 13ª posição não parece convincente (já que se esquece que é uma lista com 18 países). Mas quando outros países são incluídos na comparação, a carga tributária no Brasil já não parece ser tão alta. De acordo com dados de 2011 do Banco Mundial, ao se excluir da carga tributária transferências obrigatórias (como pensões e multas), o Brasil aparece na 59ª posição, entre 104 países, ficando muito próximo da média mundial e atrás de países como Chile, Uruguai e África do Sul, além, claro, de muitos países desenvolvidos (clique no gráfico abaixo para ampliar).

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Ao contrário de muitos países emergentes, o Brasil tem um sistema universal de aposentadoria, o que é sistematicamente ignorado nos noticiários sobre impostos e “carga tributária”. E mais: diferentemente de muitos desses países e até mesmo dos EUA, o Brasil também possui um sistema público universal e gratuito de saúde, o SUS (embora, claro, não tenha a qualidade do sistema de países europeus) e, diferentemente de países como o Chile, o país oferece educação pública e gratuita, embora a qualidade em geral seja muito ruim. Mas isso explica em grande parte por que a carga continua sendo mais elevada que outros países emergentes que não possuem tal sistema de serviços públicos.

PS: O conceito de Carga Tributária Líquida ajuda, mas tampouco conta toda a história. Para entender um pouco mais esse quadro complexo, leia mais no post Mito Econômico Brasileiro #3

29 Comentários

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29 Respostas para “Mitos econômicos brasileiros #2: “O Brasil tem uma carga tributária muito elevada”

  1. Luis

    Muitos países não consideram a previdência como imposto. Como acontece no Brasil,

  2. 1. O conceito de CTB continua sendo necessario caso se queira comparar a carga sobre os processos produtivos privados que agregam valor ao PIB, indepentemente do bom ou mau uso – ou devolucao ao setor privado – dos tributos arrecadados.
    2. Os trabalhos de Nora Lustig, professora da universidade de Tulane, mostram que, se por um lado as transferencias do tipo bolsa familia sao eficazes na reducao da pobreza e na distribuicao da renda, na hora em que se examina o conjunto de todos os gastos e a tributacao no Brasil os resultados totais sao bem diferentes (ao contrario de alguns paises citados no blog). O artigo poe transferencias sociais do tipo bolsa familia e subsidios a grandes empresas grandes num mesmo saco, como se fossem simples iguais devolucoes, enquanto teem efeitos redistributivos ou concentradores de renda bem distintos.
    Conclusao: CTB importa sim, embora deva ser acompanhada de analise da qualidade e dos impactos distributivos da tributacao e dos gastos publicos

    • Olá, Otaviano. Sem dúvida o conceito de CTB é útil. Até porque, do ponto de vista das famílias, num primeiro momento, é o que é sentida diretamente e que afeta seu padrão de consumo, independentemente de transferências ou retorno em serviços públicos que elas possam ter acesso num segundo momento. O que eu critiquei foi “uso disseminado e EXCLUSIVO do conceito” (em linha com a conclusão de seu comentário) na hora de avaliar a eficiência do setor público.
      Ao usar o conceito de CTB sem ser acompanhado de outros elementos, acaba-se alimentando uma linha de argumentação falaciosa e simplificadora da realidade, com o pretexto de avançar uma agenda de “enxugamento” do Estado, antes mesmo de avaliar quanto o Estado dispõe efetivamente para bancar suas despesas e entrar no mérito da “qualidade e dos impactos distributivos da tributação e dos gastos públicos” que você defendeu, e que eu também concordo.
      Sobre subsídios e transferências colocados “no mesmo saco”, você tem razão. Porém, essa simplificação foi feita porque o objetivo do curto artigo não era entrar no mérito da avaliação dos efeitos redistributivos, concentradores ou até mesmo multiplicadores de cada tipo de subsídio ou transferência (até porque, mesmo se você considerar apenas transferências, entre elas, teremos efeitos diferentes nestes aspectos). Tem outros debates importantes que tampouco foram tocados (como por exemplo QUEM paga tributos ou qual a estrutura tributária mais justa e benéfica). A discussão feita no artigo é anterior e mais modesta, visando desmistificar certas “idées reçues”, além de complexificar o debate. Comentários como o seu certamente ajudam.

  3. Julio

    A análise é interessante e levanta pontos aos quais eu nunca tinha atentado. Mas a argumentação parece sugerir que corrupção e má gestão não são significativas. Não dá pra acreditar nisso. E note-se que mesmo considerando a CTL, o Brasil fica à frente da Espanha, Japão e Estados Unidos e não muito distante da Alemanha. Somos a sétima economia do mundo, com carga tributária líquida quase tão grande quanto a Alemanha (e maior do que a do Japão) e qual o retorno disso para a população? E não vale falar em SUS, educação pública, etc., porque isso já foi descontado na conversão da CTB para a CTL!

  4. Ana Zuccaro

    Importante e necessário debate. Parabenizo!!!! Somente com a conscientização do real problema no sistema tributário brasileiro teremos condições de mobilização para as mudanças que levem o País rumo à melhor equidade e justiça social. A falácia da alta carga tributária esvazia o discurso dos reais problemas que precisam ser colocados nas pautas nacionais. Temos a carga tributária necessária para que o Brasil avance, mas a estrutura injusta e ineficaz leva a resultados pífios.
    Fico no aguardo dos próximos mitos, esperando que abordem os temas dos pagamentos de juros; do sistema tributário regressivo, com carga mal distribuída, promotor da perpetuação da desigualdade social; dos dados finais do montante da carga tributária que efetivamente retornam à sociedade em forma de educação, saúde, etc (em torno de 9,5%); do grande número de tributos, a maioria cumulativos; da falta de cidadania fiscal ( falta de conscientização da sociedade em relação ao tema); das falhas do pacto federativo, da necessidade do controle social para ruptura dos desvios do dinheiro público (corrupção, sonegação, malversação)….

  5. André Assam

    Quanto ouço um comentário de que os impostos no Brasil não são tão altos assim! Eu penso, então devemos aumentar mais ainda a carga tributária? Uma coisa é carga tributária alta outra coisa é corrupção, devemos, enquanto cidadãos brasileiros, lutar para evitarmos as duas coisas! Ora se a carga tributária não é alta, porque não temos serviços de boa qualidade? De outro lado, devemos aumentar a carga tributária para termos serviços públicos de qualidade. Não podemos misturar as coisas, embora estejam relacionadas. Ser o décimo colocado entre 18 países da arrecadação tributária comparando o CTB não significa muita coisa? O atual governo continua a política de privatização do anterior, contudo, não devolve os tributos arrecadados e que manteriam naturalmente a infra-estrutura caso não ocorressem as privatizações! Cadê a devolução dessa carga tributária das privatizações, afinal de contas, tais serviços não eram mantidos com dinheiro público? Mas como afirmado anteriormente tratam-se de coisas diferentes, uma é a alta carga tributária (que em tese, pelo CTL não é tão alto assim! como não??? por acaso, as aposentadorias e pensões são prêmios??? o cidadão não precisa trabalhar, em regra, 35 anos e, principalmente contribuir para o INSS para obter a aposentadoria???); outra coisa é a corrupção de impera no Brasil desde o seu descobrimento!

    • André, como disse muita gente paga muito imposto no país, especialmente os assalariados. Para essas pessoas, a carga de tributos é alta, sim, especialmente porque não têm retorno na forma de serviços públicos de qualidade. A questão que você coloca (se a carga tributária é alta, por que não temos serviços de boa qualidade?), é fundamental – e complexa. Um dos elementos que eu propus é este: a carga tributária do Brasil, “um das mais altas do mundo”, depois que deduzimos as transferências não fica tão grande assim. Se em vez de ver a tabela, você analisar o gráfico de barras do post (com mais países), você vai perceber que a CTL do Brasil (19,8%) está abaixo da mediana e muito próxima à média mundial. E isso é dado do Banco Mundial. Assim, a carga tributária líquida no Brasil, deste ângulo, não é tão elevada em comparação com o resto do mundo.

      Agora… você não pode derivar disso que a solução seja aumentar impostos. Se todos esses 19,8% do PIB fossem efetivamente aplicados em serviços públicos e infraestrutura, provavelmente o tal “retorno” dos impostos que pagamos também seria maior. Acontece que grande parte desses recursos não é efetivamente gasta (muito menos desviada). Existe uma segunda “transferência”, que nada tem a ver com aposentadoria, Bolsa Família ou seguro-desemprego.

      Você falou que carga tributária alta carga deve sempre ser combatida. Bom, nem sempre, já que são os impostos que financiam serviços públicos e o sistema de proteção social (vide os países escandinavos e da Europa Ocidental… ninguém gosta de pagar impostos, mas se você tem retorno, você entende e aceita pagar). Um país com impostos baixos, como os petro-Estados no Oriente Médio, os países africanos e latino-americanos geralmente não tem capacidade de fornecer serviços públicos de qualidade e um sistema de proteção para os mais vulneráveis. E são também, em geral, os que tem mais corrupção e onde há mais pobreza e desigualdade. Não se pode, claro, estabelecer relação causal, mas é preciso deixar claro que provavelmente não há correlação entre corrupção e carga tributária alta. Agora, carga tributária baixa quase sempre será associada a alta taxa de desigualdade social.

      Já a corrupção é um fator importante e deve sempre ser combatida, mas tendo a acreditar que não é esse o “ralo” mais importante por onde escoa o dinheiro pago pelo contribuinte… Há ralos maiores e ignorados no debate.

      Talvez o mito #3, onde vamos mostrar o grande “ralo”, dê outros elementos para entender a questão fundamental que você levantou.

      • Julio

        Não dá pra aceitar isso que você diz Cyrusafa. Se a carga tributária não é alta e o dinheiro não é desperdiçado com corrupção e má gestão (um argumento tão convincente no Brasil quanto querer dizer que a lua é feita de queijo), por que os políticos brasileiros se opõem tão fortemente a revelar a composição dos impostos na nota fiscal dos produtos? Porque o povo saberia que a maior parte do que paga ao comprar qualquer coisa é imposto, do qual pouquíssimo retorno se recebe, principalmente a classe média. A única coisa correta na sua argumentação, eu acho, é dizer que em países onde há retorno do imposto, as pessoas entendem e aceitam pagar. No Brasil, parte da população não está aceitando mais pagar e esse foi um dos elementos que impulsionou os protestos de junho: a percepção de que paga-se muito imposto, sem contrapartida em serviços públicos. Interessa muito aos políticos no poder provar que isso é um mito.

  6. Pingback: Mitos econômicos brasileiros e a maior carga tributária do mundo | bloglimpinhoecheiroso

  7. Eu acompanho o Otaviano. O conceito econômico de transferências é diferente do conceito contábil e “constitucional” de repasse a outras UFs que também é denominado transferência. É preciso separar algumas coisas e fazer uma metodologia própria para o Brasil. Várias transferências do governo federal não são feitas diretamente ao cidadão, ex: SUS. Como não há muito sobre metodologia no texto, permitam-me a pergunta: é feita essa distinção nesse cálculo da CTL?

    • Ricardo, no texto, o que eu estou chamando de “transferências” são as transferências públicas para o setor privado (TAPS), isto é, famílias e firmas. Então, ao fazer a subtração: CTB-TAPS temos a CTL. Fazem parte das transferências a que me referi os benefícios do INSS, as aposentadorias, os saques do FGTS, a RMV-LOAS (renda mensal vitalícia), abono salarial, o Bolsa Família, entre outros. Então não é incluída no cálculo as transferências constitucionais a Estados e Municípios, ou o gasto obrigatório em Saúde e Educação, gasto com o SUS etc.. Desculpe se faltou clareza na definição dos conceitos, mas espero que agora tenha esclarecido um pouco mais qualquer possível ambiguidade.

  8. Eduardo Melo

    Cyrusafa parabéns pela iniciativa, texto ótimo e esclarecedor. Acompanharei o blog.

  9. Ivo Steinhoff

    Não sou economista nem tributarista, sou um cidadão que paga 72% de imposto (indicado no cupom fiscal) na compra de uma grelha elétrica para assar seu filé de peixe ou frango, no entanto não posso deixar de mencionar que essa afirmativa baseada nas ‘transferências’ é no mínimo falaciosa. Desde quando esses itens mencionados são subtraídos dos impostos pagos pelos cidadãos? Pelo que sei os benefícios do INSS, aposentadorias, são pagas pelo INSS pago por todos os trabalhadores, ALÉM de todos os impostos que ele paga no dia a dia. O mesmo ocorre com o FGTS, que é pago pelo empregador e DEVERIA servir exclusivamente para a indenização do funcionário demitido e não usado pelo governo para financiar obras em países ‘cumpanheiros’, entre outras mazelas.Portanto ele não deve ser incluído na somatória dos ‘impostos’ pagos e nem considerado como transferência ao cidadão como despesa. É antes uma contribuição a um fundo indenizatório, fora da esfera imposto-devolução, paga pelo empregador na esfera dos encargos trabalhistas. No meu entender, todos esses itens mencionados como ‘transferências’ no intuito de diminuir (maquiar) a crueldade da carga tributária para todos os cidadãos e não apenas dos assalariados (sim, porque o beneficiário do bolsa família também paga impostos escorchantes na cesta básica que compra com esse recurso), nem deveriam ser considerados como ‘despesas’ do governo, pois são pagos com recursos próprios. Se o governo não consegue administrar estes recursos e pagar os benefícios a que se destinam originalmente, tendo que recorrer a fontes externas para honrá-los, é um problema de gestão e não de ‘transferência’ bondosa dos impostos. Reunir tudo num bolo só (impostos e contribuições trabalhistas) é no mínimo tendencioso. Por outro lado, inventar uma CTL como taxa efetiva no intuito de diminuir o aspecto predatório do imposto, usando variáveis como a transferência para o Bolsa Família, no meu entender não se justifica, pois a carga tributária não possui atenuantes (descontos), ela é o que é CTB (Ativo). O que é feito com ela, Bolsa Família, SUS, infra-estrutura, segurança etc. (Passivo), posteriormente, é outra história…

  10. Joana

    A carga tributária continua alta! Contando ou não com a valor da aposentadoria, bolsas variadas, saúde e educação incluídos… Para o trabalhador, empresário e cidadão brasileiro tudo continua com alta carga de tributos… É simples; custo x benefício! Abraços e valeu a explicação!

  11. Cyrus Afshar, PARABÉNS POR SUAS COLOCAÇÕES E O DEBATE PROPOSTO. A carga tributária no geral não é a mais alta, porém como ela tem uma grande concentração no CONSUMO das famílias, acaba por ser injusto, onerando mais quem ganha menos. As elites nunca gostaram de pagar impostos, até porque elas se lixam para a qualidade do ensino público, da saúde pública, das estradas ou da previdência. Para cada ums destes itens ela tem a sua solução de classe. A transferência dos impostos pagos pela população acaba por favorecer as máquinas que geram a riqueza das elites…infelizmente. Temos, acredito, que desonerar o imposto sobre o consumo e expandir a tabela, criar novos degraus, e efetivamente tributar grandes ganhos. Não se faz um país socialmente mais justo com esse verdadeiro paraíso fiscal para os mais ricos.

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  14. Luis Santos

    Caros comentaristas: ouvi dizer que de cada 10 reais recolhidos como impostos pelo Governo, apena UM retorna em benefício para o povo? Há algum estudo que embase isso?

    • Olá, Luis. Obrigado pelo comentário. Sobre sua pergunta, não tenho conhecimento sobre essa estatística, mas a princípio, tenderia a desconfiar da veracidade de tal afirmação.

      Significaria dizer que 90% que tudo o que o governo arrecada vai para o funcionamento da máquina e se perde em corrupção. Mesmo que o peso da burocracia e da corrupção seja grande, não me parece verossímil falar em 90%.

      O IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), um think tank que faz lobby pela redução de impostos, compila anualmente um ranking de países com base em um “índice” de retorno dos impostos à população. Esse ranking, de metodologia questionável, reúne apenas os países da OCDE (clube de países quase todos muito desenvolvidos) e o Brasil. E sistematicamente o país aparece em último desse ranking. Na imprensa, essa posição é forte: “Brasil é o último em ranking de retorno de impostos à população”, dirão as manchetes. Às vezes o ranking é anabolizado, e jornais como O Tempo, de Minas, dirão que “Brasil tem o pior retorno de impostos pagos do MUNDO” (publicado em 22/06/13, destaque meu).

      Enfim, é preciso tratar a questão do “retorno à população” com muito cuidado, como esse blog tenta trazer… por exemplo, é preciso ver que:

      1) o Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que tem um sistema de Previdência Social universalizado. Esse é segundo maior gasto do governo federal… e, diria que, dos benefícios pagos às famílias, 100% disso seria um “retorno à população” (daí que a afirmação da sua pergunta provavelmente não ter fundamento).

      2) Ao contrário dos países desenvolvidos, o Brasil compromete uma grande proporção de seu Orçamento com o financiamento da dívida pública(e o “retorno” com esse custo é próximo de 0%), como tratamos no Mito #3.

      3) A maior parte da população se trata no Sistema Único de Saúde (SUS), que, claro, tem problemas, mas que tem uma cobertura que poucos países em desenvolvimento tem; a maior parte dos alunos do ensino básico também estão no sistema público (que, também é ruim, mas, assim como o sistema de Saúde, é subfinanciado… e ainda assim, tanto um quanto o outro conseguem atender, ainda que mal, uma demanda gigantesca… ou seja, o “retorno marginal” da Saúde e da Educação, diria eu, seria altíssimo).

      É isso, Luis. A moral de história é: desconfie dos números que você vir por aí (e até neste blog!) e estatísticas mirabolantes e “rankings” feitos sob medida: veja quais são as fontes, a metodologia, se as afirmações se sustentam ao crivo de sua análise dos número ou não etc. …

  15. Thiago Albino

    Cara, ótimo, apesar de simples e um pouco incompleto técnicamente, é bem satisfatório para a proposta. Uma linguagem simples e de acesso fácil as informações contidas. É bom que se bata nessa tecla, a do mito da carga tributária, que como visto em alguns comentários, passou a ser conhecimento lato, popular, inquestionável. São necessárias muitas matérias em muitos blogs para se quebrar esse paradigma. Como dito em outro site, caímos em uma verdadeira cilada intelectual.
    Por mentiras como essas, que sempre vem maquiadas como informações, é que estamos literalmente fudidos. Ninguém vê o qual tão grave é a falha (certemente consciente) no nosso sistema tributário, muito menos quanto prejudicial é o crime contra esse sistema (talvez por estarem muito preocupados com os anseios do Datena, Marcelo Rezende, Rachel Sheherazade, entre outros, por “justiça” com redução da menoridade penal e instalação de um Estado de Polícia que garanta a ordem e a sociedade [por se tratar de sociedade desigual e injusta, garantir a desigualdade e a injustiça]).
    A questão vai muito além do impostômetro, vai muito além dessa nossa sensação de ter um Estado cheio de verbas para gastar com o que quiser. Acho que há muito falso moralista aqui, o que tá se tornando moda no Brasil, reclamar. Mas o problema não é reclamar, o problema é reclamar sem saber o que está reclamando. Basea-se no que passa na Record News ou no Jornal Hoje para formular apelos? Isso é ridículo. País dos admiradores do Bolsonaro, do conhecimento forjado pela imprensa: Vcs lutarem pelos anseios do Roberto Marinho, do Eike Batista e Silvio Santos não vai melhorar em nada a sua vida, muito menos a sociedade. Quer dizer, a gente vê uma pessoa hoje protestando no Facebook contra a má educação e a péssima saude, mas amanhã vê ela protestando contra os impostos, ou contra os tributos em geral. Ãh, como assim? Como o Estado vai bancar a boa educação e a boa saúde sem receita?
    Uma coisa é certa: o legislador constituinte prometou muita coisa na Constituição, coisas que são bem caras e que não tem como serem realizadas efetivamente com o imposto que pagamos. É necessário sim que aumente a arrecadação, mas a arrecadação por parte dos ricos, da elite, da família do Roberto Marinho. Só quem paga impostos no Brasil é o pobre e a classe média, pq a sonegação por parte dos deuses nacionais é bem grande. Patrimônio, renda e consumo, é aí que incide os tributos. Se os dois primeiros não dão conta, por causa das regalias dos barões, sobra para o último aguentar a carga tributária. E em especial no consumo dos produtos dos pobres, no feijão, no arroz, na cachaça.

    Só uma dúvida minha que ficou, Cyrus: nos cálculos de soma do impostômetro, entram as contribuições sociais? É que eu ainda vou ter direito tributário e eu sou leigo nessa área, mas eu já vi, de forma bem superficial, que há uma divergência quanto a natureza das contribuições para a seguridade social, se elas são tributos ou não. Então ficou essa dúvida, se a contribuição social entra nesse percentual de 36% da carga tributária?

    Desde já, obrigado e parabéns pelo blog!

    • Olá, Thiago. Muito obrigado pelo comentário. A proposta é essa mesmo: trazer dados rigorosos, tratados com honestidade intelectual (mas não imparcialidade), para disseminar a informação (e as formas de contra-informação) e fomentar o debate, sem cair nos jargões economicistas (a economia é muito importante para ser deixada apenas nas mãos de economistas!), de modo a incluir o máximo de pessoas, em textos curtos e simples, mas não simplificadores.

      Sobre sua questão sobre o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, parece que sim: inclui TUDO e de TODAS as esferas de governo: “O somatório das arrecadações é apresentado da seguinte forma:
      No Brasil: somatório das arrecadações de tributos federais, estaduais e municipais;
      Na União: somatório das arrecadações de tributos federais;
      Por Estado: somatório das arrecadações dos tributos estaduais (ICMS, IPVA, ITCMD, Taxas, Previdências Estaduais);
      Por Município: somatório das Receitas Correntes dos municípios, incluindo além das arrecadações de tributos municipais (IPTU, ISS, ITBI, Taxas e Previdências Municipais), o montante das transferências constitucionais realizadas pela União e pelo Estado a que pertença o município, bem como outras receitas não-tributárias (receitas patrimoniais, industriais, etc)”.

      Você pode dar uma olhada por você mesmo na metodologia do Impostômetro.

  16. Boa noite.

    Em primeiro lugar, agradeço pela publicação desse excelente artigo, e, também, pelas manifestações extremamente construtivas e interessantes de muitos dos que ora debatem. Aprendi muito com um e com outras.

    Faço apenas uma pergunta (e também não sou economista): ao se avaliar a qualidade do “retorno” dos tributos, consubstanciado nos serviços públicos, comparando-se com a realidade de outros países, não seria importante considerar não apenas a carga tributária nominal (% do PIB) e o próprio PIB nominal, mas também (ou talvez “especialmente”) o PIB per capita (por conseguinte, a carga tributária “per capita”)? Simplificando um pouco os números, Brasil e França têm PIB semelhante e carga tributária (bruta) nominal semelhante. Mas a França tem população 3 vezes menor, logo, PIB per capita 3 vezes maior (e arrecadação tributária per capita igualmente 3 vezes maior). Parece-me intuitivo que a França, no exemplo dado, tenha 3 vezes mais recursos para “devolver”, per capita, em termos de serviços públicos.

    Onde está o erro desse meu raciocínio?

    • Exato, Reinaldo, acho que o seu raciocínio está perfeito. Mantenha-o em mente quando você ouvir que o Brasil gasta muito em educação porque gasta uma % de seu PIB igual ao dos países ricos, mas a qualidade é ruim. Nesse caso, o parâmetro melhor não é a % do PIB, mas o gasto em US$ por aluno (ou pelo menos per capita).

      Então, sim, extrapolando para o restante dos serviços públicos, é importante saber se eles estão sendo adequadamente financiados. Não se faz omeletes sem ovo. Não se pode ter educação padrão “Santa Cruz” (colégio de ponta de São Paulo) ou nórdico com um gasto por aluno ínfimo.

  17. Muito bom o post. Não conhecia o seu blog, e por coincidência estava escrevendo sobre alguns mitos na economia brasileira quase que exatamente na mesma ordem que você, embora claramente atrasado. Fiquei extremamente feliz em saber que há mais gente que faz uma análise objetiva da economia brasileira e não fica se resumindo aos argumentos falaciosos tradicionais. Vou ver se consigo acrescentar algo a seu argumento no meu blog.

    • Obrigado pelo comentário e pelo elogio. Bom saber que tem mais gente disposta a desmistificar as bobagens econômicas que se espalham por aí como verdades absolutas. Parece interessante como você trata os assuntos no seu blog. Quero ver como sairá o post seu sobre a carga tributária (assunto que tem pano pra manga e vale bem mais que três mitos). Abraços!

  18. Compartilhado aqui: facebook.com/Instituto.Facto/posts/390780731084893

    Resta então perguntar qual é a CTL de cada um por renda e grupo sócioeconomico.

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