11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #3 Mecanismos de democratização do fundo partidário e incentivo de doação cidadã

Claro, é muito fácil e bonito impor tetos mais rígidos e defender um sistema com mais doações cidadãs em vez de doações empresariais. Faltou combinar com os russos, ou melhor, com os cidadãos.

Até 2014, o fundo partidário era relativamente pequeno, já que a maior parte das doações era feita por agentes privados, em especial empreiteiras, bancos, frigoríficos, indústria farmacêutica, bélica etc. Com a mudança que veio da decisão do STF, em 2015, o fundo partidário, isto é, o financiamento público, passou a ter peso decisivo. Não por acaso, o tamanho do fundo deu um salto já em 2015, quando a decisão do Supremo já estava tomada, mas o ministro Gilmar Mendes sentava no processo, numa tabelinha com Cunha, que tentava legalizar o financiamento empresarial, gravando a autorização na Constituição (felizmente, deu errado e não passou). Mas o fundo aumentou 159% de um ano para o outro, em 2015, chegando a R$ 878,6 milhões.

TSE - Fundo Partidário 2

A eleição de 2016 foi a primeira em 22 anos sem doação empresarial. Mas, nas grandes cidades, onde as campanhas são mais caras, a doação de pessoa física foi pífia. O candidato do PSOL à Prefeitura, Marcelo Freixo foi quem se saiu melhor. Dos R$ 2,3 milhões arrecadados, 58,9% vieram de doações de menos de R$ 1.000, totalizando R$ 1,3 milhão. Freixo conseguiu mobilizar o apoio de nada menos do que 14.034 cidadãos. Ou seja, seis vezes mais do que Fernando Haddad e 46 vezes mais do que João Doria, só para ficar nos principais candidatos à Prefeitura da maior e mais rica cidade do país, São Paulo. A comparação fica ainda mais impactante quando do outro lado está o rival de Freixo, Marcelo Crivella, que acabou sendo eleito. Sua campanha arrecadou R$ 9,7 milhões (quatro vezes mais), mas nada menos do que R$ 9,4 milhões (ou 97,3%) vieram apenas de uma fonte: a direção nacional do PRB. O restante saiu do bolso de apenas 71 doadores. E apenas duas dessas doações foram abaixo de R$ 1.000.

TSE - Doações Freixo

Para ter uma campanha viável e com muita doação cidadã, de valores limitados, é preciso criar mecanismos para incentivar esse movimento. Um exemplo disso é o que defende o professor da USP especialista em financiamento eleitoral Bruno Speck: ele sugere que cidadãos, na hora de declarar o imposto de renda, possam deduzir uma quantia (limitada) e atribuir essa dedução a um partido político. Isso seria uma maneira de democratizar o financiamento público. Outra maneira seria que o fundo público fosse distribuído segundo as doações de pessoas físicas, isto é, uma regra do tipo: para cada R$ 1 que o partido/candidato recebeu, o fundo público também lhe dá mais R$ 1 (ou R$ 2, ou R$ 3). Seria outra maneira de o cidadão participar ativamente e influenciar na distribuição do fundo partidário.

Atualmente, a divisão do fundo segue uma lógica “meritocrática”: 95% do fundo é distribuído proporcionalmente ao número de votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados; e 5% é dividido igualmente. Ou seja, é uma regra que perpetua o status quo, que é boa para os grandes partidos que aí estão, dividindo os 95% do bolo (que só cresce), e para os nanicos-fisiológicos, que se satisfazem repartindo os 5% apenas por terem conseguido o registro em algum momento da história. Com mais financiamento, os partidos grandes e médios fazem campanhas melhores, conseguem mais êxito eleitoral, mais financiamento na campanha seguinte e assim por diante. Ou seja, para conseguir acessar o fundo público, nenhum desses partidos tem incentivos para se aproximar do eleitor, não precisam desenvolver uma identificação com ele entre uma campanha e outra, não precisa ouvir suas demandas.

Politize - Fundo Partidário 2
Infográfico que o Politize! desenhou para todo mundo entender (clique para ampliar)

Mas, agora, passado o teste das eleições locais sem dinheiro (declarado) de empresas, a coisa vai ser para valer nas eleições gerais. E já se discute no Congresso a criação de um fundo, no valor de R$ 3,5 bilhões, para financiar as campanhas (além do fundo partidário já inflado, que mencionei antes).

Infelizmente, a questão da participação e democratização do fundo público (partidário ou de campanha) está passando longe do debate. O primeiro passo importante seria olhar para fora e ver como democracias consolidadas financiam seus partidos, campanhas e candidatos (o IDEA fez uma compilação excelente, com quase 500 páginas dos modelos de democracias de várias partes do mundo). Já citei aqui as propostas do professor Bruno Speck. Ele não as tirou da cartola. Por exemplo, no Canadá, há um subsídio progressivo: quanto menor é o valor doado, maior é o subsídio. Doações de até US$ 400 são abatidas em 75% no imposto de renda. O subsídio cai para 50% sobre o valor entre US$ 400 e US$ 750, e 33,3% para a quantia acima disso. Ah, importante: o teto de doação é de US$ 1.100 e o valor subsidiado não passa de US$ 650 por eleitor. Outros países, como Áustria, Bélgica, França e Holanda também têm mecanismos parecidos. Claro, não é a única forma de financiar. Mas é uma maneira, que pode compor um sistema feito por uma pluralidade de formas. Na Áustria, França, Alemanha, Espanha, Israel e Itália, adota-se (entre outras modalidades) o “duplo-financiamento” (para cada R$ 1 doado, R$ 1 é transferido do fundo público).

Outra modalidade interessante é uma aplicada na Espanha, e é a principal forma de financiamento do Podemos . Trata-se de um “microcrédito”. Funciona da seguinte forma: o eleitor-apoiador “empresta” um determinado valor (pequeno e limitado a uma certa quantia) ao partido para financiar sua campanha eleitoral. E, ao final do pleito, o partido recebe um determinado valor do fundo partidário público, proporcional ao número de votos conquistados (por exemplo, R$ 1 por voto). E, com o valor arrecadado, ele devolve ao eleitor-apoiador. Outra modalidade é o financiamento coletivo (em bom português: a vaquinha), que poderia ser permitido, inclusive com uma plataforma pública, interligada com a Receita Federal, para facilitar as contribuições.

E, claro, uma parte (mas não a maior parte e muito menos 95%) poderia ser dividido proporcionalmente ao resultado da última eleição. Inclusive diferenciando o desempenho por eleição segundo o nível (municipal, estadual e nacional). Atualmente, a Câmara dos Deputados é parâmetro para todos os tipos de eleição.

Então, apesar da necessidade de aumentar o fundo público dos partidos (agora que não tem e não queremos que tenha empreiteira para financiar nossa democracia), é preciso pensar antes em maneiras de aumentar a participação popular e a transparência da alocação desses recursos. É justo que os partidos com mais militantes e simpatizantes identificados com ele tenham mais recursos. Isso estimularia um bom movimento dos partidos para melhorar seus programas e se aproximar dos eleitores. Já os fisiológicos teriam mais dificuldade e possivelmente definhariam antes de acabar ou serem incorporados em outros partidos mais bem estruturados.

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