Alckmin vice, não!

O cargo de vice-presidente virou um posto-chave na nova República. Foram nada menos que dois dos últimos cinco presidentes eleitos que foram derrubados. O risco é conhecido e o grande historiador Luiz Felipe de Alencastro já vaticinava em 2009 o desastre que seria para Dilma o vice do PMDB.

Não por acaso, o próprio Alencastro defende (e eu também fui convencido por ele) extinguir o cargo de vice. A maioria, porém, nem cogita essa mudança e segue pensando na racionalidade de ter esse ou aquele vice. Como não está no horizonte extinguir o cargo do vice tão cedo, vamos aqui colocar nossos argumentos CONTRA a possível indicação de Alckmin para ser vice de Lula numa chapa para a eleição presidencial de 2022.

As 7 desvantagens de Alckmin como vice de Lula:

1) Desalinhamento ideológico. Alckmin pode ser, pessoalmente, uma boa pessoa. Acredito nisso. Mas ele certamente não pertence ao campo de esquerda e, diria que nem de centro-direita é. Ele é uma liderança da direita paulista. Conservador, ligado à Opus Dei, e adepto ao receituário neoliberal. Ele trabalhou ao longo de sua longa carreira política a favor do projeto antagônico ao que defende Lula e o Partido dos Trabalhadores. Mas e o José Alencar? Pois: José Alencar, não. Ele era um representante da burguesia nacional, mas sua perspectiva estava alinhada ao projeto petista de crescimento com distribuição de renda. Em muitos momentos, inclusive, pressionava por uma política monetária menos contracionista (então, por assim dizer, fazia sua pressão à esquerda). Alckmin, não. Ele defendeu o Teto de Gastos, e basicamente a Ponte para o Futuro. Alckmin de vice não é ampliar a aliança. É atravessar o samba com um bate-estaca. Não rola. Imagina o dia a dia: em vez de ter um José Alencar pedindo corte de juros, ter um Alckmin defendendo a privatização da Petrobras? Ou então a redução da maioridade penal?

2) Espada do Impeachment. Como consequência do primeiro item, temos o segundo. Tem tanta tentativa de impeachment no Brasil, que cientistas políticos já até estão formulando leis gerais. Uma dessas é preconiza que “não se tem um impeachment de um presidente antes de saber quem vai assumir”. Ou seja, não vão derrubar um presidente enquanto não se sabe se o vice estará alinhado com a oposição que calhou de conseguir maioria eventual. Foi assim com Itamar, foi assim com Temer. Em comum, existe o desalinhamento político e ideológico entre esses vices e seus respectivos presidentes. Já Bolsonaro, que pode ter um trilhão de defeitos mas não é bobo, indicou o general Hamilton Mourão para vice. Um vice tão alucinado quanto ele e ligado organicamente às forças armadas. Ao indicar Mourão, Bolsonaro não ampliou sua aliança: ele contratou um seguro anti-impeachment. Quem vai querer derrubar um deputado do centrão que está aí há 28 anos para colocar um general de 4 estrelas na Presidência?

TSE prepara esquema especial de segurança para julgamento da chapa  Dilma-Temer – Clique Diário


A conta do Collor era mais difícil, porque ele foi o primeiro. Já Dilma e o PT poderiam ter pensado nisso se tivessem ouvido Alencastro. “Ah, mas o Alckmin jura de pé junto que não dará golpe”. Vale dizer que Temer foi fiel a Dilma por 58 meses e onze contos de réis. Não estava no horizonte de (quase) ninguém o golpe. Talvez nem do próprio Temer. Mas mesmo que seja o caso, e Alckmin tenha mais caráter que Temer: a espada do impeachment estará no pescoço de Lula desde o primeiro dia até quando ele sair da cadeira, com Alckmin conspirando ativamente ou sendo tão fiel como José Alencar. Se indicar Alckmin, uma liderança orgânica da direita (conservadora) neoliberal, Lula e o PT estarão facilitando a vida da direita ao resolver o primeiro passo fundamental para o impeachment (quem assume?). Bastará uma crise e defecção de algum partido da direita (digamos, o PSD) da coalizão de governo para se iniciar um novo processo de impeachment contra um governo popular. Se no caso de Dilma era possível os mais agudos analistas vislumbrarem o risco, desta vez o risco está escancarado para o mais distraído observador da política nacional.

3) Lula não está ficando mais novo. Lula pode estar com coxas saradas, com vontade de ganhar e voltar à Presidência. Mas ele não é nenhum garoto. Se ganhar, vai assumir o cargo com 77 anos. E, bom, pode acontecer de ele simplesmente não completar o mandato por questão de saúde (ou pior). Espero que não, claro. Mas é uma chance que não é nula. Não para uma pessoa de 77 anos. Aconteceu com Tancredo (antes de assumir), aconteceu com Bruno Covas na prefeitura de São Paulo (pouco depois de assumir). Essas coisas acontecem. E, se acontecer: Alckmin será o líder que vai dar continuidade ao governo Lula, ao programa chancelado nas urnas? Ou será que é mais provável que adote a Ponte para o Futuro, como Temer, projeto que ele de fato defende?

A trajetória de José Sarney - 01/02/2011 - Poder - Fotografia - Folha de  S.Paulo

4) Verões passados 1. Já começou aliás, na imprensa. Mas, se Alckmin for confirmado, certamente vai abrir a temporada de caça às tretas e declarações que Alckmin deu nos verões passados (não tão distantes assim). Declarações nada moderadas. Coisas que se dizem em campanha e não causam grande impacto, dito por um adversário. Mas que ganham outra dimensão quando foram ditas por um companheiro de chapa. Alckmin de vice pode municiar os adversários, causando dano à base eleitoral de Lula e gerando constrangimento nas fileiras petistas. Alckmin teria que demonstrar uma habilidade política e humildade que jamais teve – e sambar pra dizer que não foi nada daquilo. E Lula idem. Enfim, um problema facilmente evitável se o vice fosse outra pessoa que sempre esteve ao lado do PT.

5) Verões passados 2. Além de material de campanha, tem o fato de que Alckmin foi o governador do PSDB durante nada menos do que 4 mandatos, por 12 dos 27 anos de Tucanistão. Nesse período, foram muitas tensões com a base social petista, em especial funcionários públicos e, em particular, com professores, que formam uma importante base social do PT em São Paulo. A categoria foi historicamente maltratada pelos governos tucanos, e tiveram anos duros de enfrentamento com Alckmin. Também tem um “track-record” grande de brutalidade policial contra movimentos de moradia e declarações lendárias como “quem não reagiu tá vivo”. Tudo isso é ignorado quando Alckmin está com os dois pés no campo da direita, mas certamente virá à tona se ele for companheiro de chapa de Lula.

6) Desmobilização da militância. Claro que uma eleição com Lula na urna e, mais ainda, liderando as pesquisas, anima qualquer petista. Mas Alckmin como vice joga aquela água de chuchu cozido no chopp da galera. Causa constrangimento em uns, desanima outros. Ânimo e entusiasmo são fundamentais numa campanha eleitoral em que há tantas questões em jogo quanto a de 2022. Ao longo de 2021, Lula participou de plenárias com movimentos sociais de vários segmentos. Ter Alckmin como vice passa a mensagem para esses grupos de que não será nesse governo que haverá as mudanças profundas que eles reivindicaram. E uma campanha com menos mobilização social pode significar também um impulso menor de mobilização popular durante o mandato. Foi o que faltou para Dilma se segurar no cargo em 2016. Pode ser que falte esse impulso para Lula avançar nas pautas mais progressistas.

7) Herdeiro. Frequentemente, um bom vice é decorativo, quando dá certo. Assim como foi com Marco Maciel, para FHC, e José Alencar, para Lula. Cada um cumpriu seu papel muito bem para compor a coalizão de governo. E nenhum deles tinha pretensão de ser o sucessor do titular. Mas há outra versão em que o vice “dá certo”: o vice-herdeiro. O vice é o segundo na linha sucessória, com frequência exerce a função de presidente quando o titular se ausenta. E, quando se trata de políticos com estatura e ambição políticas, viram candidatos “naturais” e legítimos para a sucessão do titular.

Nos EUA, assim foi com Bush pai, que era vice de Reagan e o sucedeu na Presidência. Gore também estava indo pelo mesmo caminho ao ser vice de Clinton, mas perdeu por pouco em 2000. Kamala claramente está sendo preparada para suceder a Biden, que terá 81 anos ao fim de seu mandato. Não é descabido pensar que ele não vai disputar a reeleição. É a mesmíssima situação de Lula, que, se eleito, assumiria a Presidência com 77 anos e ao fim de 4 anos teria 81 anos. Mesmo (ou, melhor ainda: especialmente) se Alckmin se mantiver fiel e rechaçar todas as pressões para um golpe, é ele que viraria um candidato à sucessão já em 2026. Alckmin joga o jogo longo – e com muito mais habilidade que candidatos que insistem em repetir estratégias que já deram errado antes. Alckmin tomou uma surra em 2018. Em 2026 pode se tornar presidente – com apoio voluntário ou não – da coalizão lulista. Essa possibilidade foi levantada também no podcast Foro de Teresina como um fator positivo, porque mostraria um desapego do PT em estar sempre no comando. Mas, e para a esquerda? É bom ter Alckmin como um provável sucessor? E aí voltamos ao ponto 1: qual projeto de país ele buscaria implantar se/quando estiver em posição de disputar de novo as eleições, agora como herdeiro de um terceiro governo Lula?

São muitas as desvantagens que fazem de Alckmin uma péssima ideia para vice de Lula.  Existem também falsas vantagens. Vamos a elas:

  1. Alckmin seria uma “Carta ao Povo Brasileiro” ambulante. A famigerada “Carta ao Povo Brasileiro” que o então candidato Lula publicou na campanha de 2002 tinha sua razão de ser naquele momento histórico: era a primeira vez que um candidato de esquerda tinha reais chances de vencer as eleições. Só essa forte possibilidade (que se concretizou depois) fez com que os especuladores do mercado financeiro começassem uma “campanha” para abandonar o país – o que causou elevação de juros e, sobretudo, desvalorização do câmbio. Do ponto de vista dos agentes do mercado financeiro, o medo era justificado. Ninguém sabia como seria um governo do PT. A carta servia como um gesto para indicar que não haveria nenhuma ruptura. E assim foi. Ao longo dos 13 anos de governo petista, houve mudanças, claro. Mas o temor de uma reeleição de Lula, de uma eleição de Dilma e mesmo sua reeleição não suscitaram o mesmo temor daquela época – e nem a necessidade de novas edições de “Cartas ao Povo Brasileiro”. Agora o momento é ainda melhor, desse ponto de vista. Não há mais temores reais do que vai ser um novo governo Lula. Por outro lado, a economia do país está, desde 2014, estagnada ou em marcha-ré. É preciso mudanças. É preciso romper com Teto de Gastos. É preciso reverter a independência do Banco Central para que seu presidente esteja em sintonia com a política econômica do novo governo. É preciso reverter os brutais ataques da Reforma Trabalhista. Indicar Alckmin a vice é um novo gesto de moderação, indica aos agentes econômicos que não haverá mudanças na política econômica ora em curso. E, se houver, terá o efeito de um “estelionato eleitoral” às avessas (comparando com 2014), com graves consequências econômicas. Muito melhor, se a intenção for mesmo a de promover mudanças, é deixar claro quais serão essas mudanças e por que elas precisam acontecer. Claro que isso não vai impedir especulação de câmbio e impacto nos juros, mas será o preço a se pagar para implantar a política apresentada aos eleitores e referendada nas urnas.

  2. Alckmin é fundamental para a governabilidade. Errado. Não é o vice que vai garantir a governabilidade. Será a coalizão de governo. Será abrir espaço aos partidos que possam assegurar maioria simples ou, melhor ainda, maioria qualificada, para fazer as mudanças que o país precisa e garantir a governabilidade sem a instabilidade política que vem desde 2015. Quem vai amarrar esse arranjo serão os partidos, será a maneira como o poder vai ser compartilhado com essas forças políticas que vão formar a coalizão de governo – e segundo o peso de cada um desses partidos no Congresso Nacional. Alckmin não é Temer (graças a deus). Temer tem muitos defeitos (muitos mesmo), mas um de seus ativos era o de ser um político com muito trânsito no Congresso. Trânsito tão bom que… Enfim, em tese, ter trânsito bom na Câmara poderia ser uma vantagem para forjar maiorias. Alckmin não é essa figura. Ele acaba de sair do PSDB por falta de espaço político. Está há décadas afastado de Brasília. Ele simplesmente não tem esse condão a oferecer. Aliás, o que tem Alckmin a oferecer além de sua imagem de picolé de chuchu? Outros políticos poderiam ser bem melhores que ele, para assegurar a governabilidade (o problema é que seriam ainda mais parecidos com Temer…).

  3. Alckmin garante a vitória no 1º turno. Falso. Uma vitória em 1º turno é, na minha opinião, extremamente improvável. Digo isso num momento em que estamos a 10 meses da eleição e com pesquisas de grandes institutos dando Lula com a ampla vantagem sobre o segundo colocado. Mais que isso: considerando as “intenções válidas” (isto é, descartando brancos/nulos e indecisos), Lula tem mais de 50% nos cenários de 1º tuno dos principais institutos (Datafolha, Ipec, Quaest e Atlas Político). Mesmo assim, no jogo jogado, isso não deve se confirmar daqui a 10 meses. Com ou sem Alckmin de vice. E, se por acaso isso se confirmar, não vai ser por conta dos milhões de eleitores fãs do picolé de chuchu que isso vai acontecer. Não sou eu quem diz isso. São 70% dos eleitores que dizem que o apoio de Alckmin não fará diferença para votar ou deixar de votar em Lula. Alckmin não traz apoio partidário, não traz apoio na Câmara, não traz voto. O que Alckmin tem a oferecer, afinal?

  4. Alckmin é fundamental para garantir o apoio paulista. Não. Segundo a última pesquisa Datafolha, Lula lidera em São Paulo com 40%, muito à frente de Bolsonaro (24%). Alckmin não tem força nem para convencer eleitores conservadores de São Paulo, nem as classes dirigentes do Estado a votar no PT. Alckmin acabou politicamente em 2018. Estava fazendo bico em programa de TV vespertino. Foi ejetado do partido que fundou. Claro, a situação de 2021 é diferente da de 2018. Em 2018, Alckmin conseguiu apenas 9,52% dos votos válidos no Estado que governou por mais de 12 anos. Hoje aparece na liderança das pesquisas para um novo mandato de governador, com 28% no último Datafolha. Sim, são eleições diferentes, mas o dado mostra que ele tem alguma base eleitoral em São Paulo. Mas é aquilo: ele tem recall, não dá para saber ao certo se ele manteria essa liderança folgada e confirmaria o favoritismo sem estar no partido que governa o Estado há 27 anos. Sem estar numa coalizão-megazord, como aquelas em que liderou quando foi eleito e reeleito. Então é ainda mais difícil encontrar evidências para acreditar que esse político, que passou três anos escanteado e agora está sob os holofotes, de fato conseguiria apoio eleitoral ou social de sua base conservadora para uma chapa com sua participação, mas encabeçada pelo maior líder petista.

Seria injusto terminar esse artigo sem colocar as vantagens de ter Alckmin de vice. Afinal, tem tanta gente achando uma ótima ideia, deve ter alguma vantagem. E é verdade, tem.

Do ponto de vista da esquerda, a maior vantagem seria aumentar as chances de Fernando Haddad ganhar as eleições para o governo do Estado. Na última pesquisa Datafolha para o governo do Estado, no cenário com Alckmin, Haddad aparece com 19%, e Alckmin, com 28%. Já quando o cenário eleitoral não tem o nome do ex-governador, Haddad sobe para 28% e lidera a disputa, à frente de Márcio França, com 19%.

Claro, tem muita água para rolar. Tem o candidato do Tucanistão, Rodrigo Garcia, que é um ilustre desconhecido e certamente deve crescer – e, se Alckmin estiver na disputa, esse crescimento deve vir de parte do eleitorado que hoje apoia o picolé de chuchu. Tem o candidato de Bolsonaro, que é pouco conhecido e também deve tirar voto de Alckmin quando a campanha começar. Tem Boulos, que fez uma boa campanha em 2020 e pode tirar voto de Haddad. De todo modo, com Alckmin fora do páreo paulista para ser companheiro de chapa de Lula no certame nacional tiraria, de um lado, um forte candidato à vitória da disputa estadual e, de outro, o colocaria como um importante cabo eleitoral (aí, sim, poderia ser efetivo para atrair um eleitorado que não é de esquerda), ao menos no 2º turno.

E se, por um milagre, Haddad vence, ele se tornaria o primeiro governador de esquerda do Estado. Seria alçado à condição de presidenciável já para 2026 ou no mínimo para 2030. E Lula teria pela primeira vez um aliado de primeira hora governando o Estado mais rico da federação. Isso seria fundamental para seu plano de reconstrução econômica. Sem dúvida, essa seria a grande vantagem de ter Alckmin de vice (do ponto de vista da esquerda, diria, a única).

Outra vantagem é que Alckmin desarma qualquer adversário que, mesmo em 2022, ouse tachar a candidatura de Lula de radical ou extremista. Separados, Lula e Alckmin são o contrário do radicalismo ou extremismo. Juntos, então… Se Alckmin não ajuda Lula a ganhar um eleitor sequer, o ex-governador pode ser importante para que ele não perca a vantagem que tem. Porque, sim, Lula será alvo de ataques de todos os candidatos (e da mídia), como é normal acontecer com o candidato que lidera, ainda mais se for de esquerda. E desqualificar Lula como extremista pode ser uma forma de ele perder eleitores. Com Alckmin na chapa, essa estratégia vai pro beleleu.

Tem outras supostas vantagens defendidas por liberais progressistas, de que Alckmin representaria uma “Revolução Republicana”. Seria, por assim dizer, uma chapa que representaria o início de uma refundação dos pilares republicanos, chapa essa formada por dois ex-deputados constituintes. Simbolizaria a disposição do novo governo em se abrir ao diálogo com setores mais amplos da sociedade e da política. Seria um símbolo mais bem acabado de moderação.

Não me comovo com esse argumento. Não me comovo por causa das desvantagens elencadas acima, e, sobretudo, porque uma refundação da república e de defesa da Constituição de 1988 passaria, necessariamente por uma reversão das políticas implantadas desde 2016. Passa por enfrentamentos duros contra esses setores que até hoje defendem as políticas implantadas desde então. Setores esses que até hoje não concedem nada, não estão dispostos ao diálogo. É claro que a “disposição ao diálogo” terá que existir de nossa parte se (como é altamente provável) a esquerda não tiver maioria absoluta no Congresso. Mas será um produto da correlação de forças que vai se materializar depois do pleito de 2022. Não antes.

Aqui trabalhamos com pragmatismo. Nada contra. Aliás, tudo a favor de fazer concessões para se obter um bem maior. Dar os anéis para ficar com os dedos, etc. etc.. Mas mesmo um pragmático precisa se colocar a questão fundamental: qual é o bem maior? Em outras palavras, o que queremos fazer uma vez chegando lá e o que não estamos dispostos a ceder de jeito nenhum?

Para mim é claro que é preciso reverter ao máximo a regressão civilizatória que foi instaurada desde 2016. Revogar a emenda constitucional de Teto de Gastos (mesmo que seja para substituir por outra regra fiscal de teto de gastos). Reverter os ataques da Reforma Trabalhista. Revogar a independência do Banco Central. Fazer uma Reforma Tributária progressiva. Recuperar o BNDES, a Petrobras, a Eletrobras. Mudar a política econômica para retomar o crescimento, voltar a reduzir a pobreza, a desigualdade, tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU. Se rolar tudo isso em 4 anos vai estar ó-te-mo.

Mas aí vem algumas questões: Alckmin está comprometido com essa agenda? O que Alckmin tem a oferecer para viabilizá-la? Mesmo que não ofereça nada, ele como vice faz alguma diferença, isto é, ele ajuda a implementar a agenda? Para mim, parece claro que: Alckmin não está e nunca esteve comprometido com essa agenda; não oferece nada para viabilizá-la; e nada leva a crer que a sua presença na vice-presidência possa favorecer a execução de uma agenda que é oposta a tudo o que ele sempre defendeu.

Alckmin de vice não significa dar os anéis para ficar com os dedos. Alckmin de vice significa dar os anéis e perder os dedos. #AckminViceNão!

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Balanço das eleições 2018

Retrospectiva, erros e perspectivas para o campo progressista

Não houve nada de normal nessas eleições gerais brasileiras de 2018.

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Primeiro de tudo, algo pouco comentado (porém fundamental): não havia um candidato do governo. Pelo menos não que se declarasse como tal, mesmo que timidamente. Em 1994 e 1998, era FHC, que venceu. Em 2002, era Serra, que perdeu. Em 2006 era Lula, em 2010 e 2014, Dilma. O candidato governista sempre ajudava a estruturar a polarização. Não desta vez. Os candidatos mais associados a Temer (Alckmin e Meirelles) tiveram desempenho pífio: 6% dos votos válidos, na soma dos dois. De certo modo, o discurso do “Fora PT” ou “PT nunca mais” denotavam que, ironicamente, quem fez as vezes de governo foi… o PT, que foi removido do poder há 2,5 anos.

A segunda anomalia foi o fator Lula. Principal líder de oposição, era ele quem liderava as pesquisas e foi condenado em um processo bastante controverso, para dizer o mínimo. Seu processo foi acelerado na corte de apelação e aí foi preso antes do trânsito em julgado. E aí foi proibido de dar entrevista. E teve seu habeas corpus negado por um juiz que interrompeu suas férias para que Lula não estivesse fora da prisão um minuto sequer. Lula, que foi barrado de conceder entrevista. Em seguida, foi autorizado pelo STF. E foi vetado de novo no mesmo dia, como se sua palavra reportada em um jornal representasse algum tipo de ameaça à segurança nacional. E mesmo assim, mesmo preso, Lula foi escolhido o candidato do Partido dos Trabalhadores. E mesmo assim, mesmo preso liderou as pesquisas até ser oficialmente excluído das disputas, chegando a 45% das intenções válidas, excluindo brancos nulos e indecisos. Era o favorito para ganhar. Sem Lula, o “plano B” Haddad chegava a meros 4%.

A terceira peculiaridade foi a “Estratégia do PT”, derivada do fator Lula. Numa campanha eleitoral curta, o PT, que tinha, em tese, um ativo: o candidato mais popular, campeão de votos. Mas, na prática, como não poderia usá-lo em campo, decidiu se empenhar numa estratégia arriscada: esticar a corda e retardar a oficialização de Haddad ao máximo para manter Lula em evidência e, em seguida, fazer uma campanha para associar Haddad a Lula, para obter uma fração de votos e, com essa transferência de apoio, chegar ao segundo turno. A partir dali, teria três semanas para “vender” o professor Haddad, um novo e moderado político. O risco era enorme: poderia acontecer de a transferência não acontecer – ou acontecer apenas em parte, o que poderia levar a um 2º turno sem um candidato de esquerda, talvez entre Bolsonaro e Marina ou Alckmin. Mas a estratégia, desse ponto de vista, funcionou. Haddad se descolou do bolo de candidatos que estavam empatados em 2º e chegou a flertar com a primeira posição num dado momento.

A quarta aberração foi, claro, o atentado. Algo sem precedentes na história das campanhas eleitorais para presidente. Bolsonaro, felizmente, sobreviveu. E, com isso, resolveu todos os problemas de sua frágil campanha: passou o restante do 1º turno sem ir a debates, foi automaticamente poupado de ataques que geralmente seriam conferidos ao líder da corrida eleitoral, e ficou com a imagem de vítima do “ódio político” (logo quem!), o que também lhe rendeu um bom apoio. Como os adversários não tinham mais condições de atacar o líder, voltaram suas baterias ao segundo colocado, Haddad, enquanto Bolsonaro voava em céu de brigadeiro com seus 26%-28%.

Aí chegou aquela fatídica segunda-feira, 1º de outubro. Sai o Ibope que mostra que Bolsonaro não só não perdeu votos depois de gigantes manifestações feministas, como ele subiu bastante no 1º turno. E, se na sexta-feira ele estava seis pontos atrás de Haddad, na segunda-feira ele estava empatado numericamente. E a partir dali a vaca foi pro brejo.

Bolsonaro fechou o primeiro turno na boca para liquidar a fatura. Só um milagre poderia reverter o jogo. Veio a denúncia (grave) da Folha. Mas, diante da negativa das autoridades de permitir busca e apreensão de equipamentos, não se avançou e ficou por isso mesmo: uma campanha difamatória subterrânea, financiada com dinheiro não contabilizado, de empresas. E tudo certo. A distância estava entre 16 e 18 pontos. Com essa vantagem, Bolsonaro se recusou a ir a qualquer debate, não dava coletiva à imprensa. Ficou em casa, mesmo depois que obteve alta médica e liberação para fazer campanha. Quando a margem diminuiu um pouco, os eleitores opositores a Bolsonaro começaram a despertar e foram pra rua. Mas aí já era a última semana. No fim, a vantagem foi de 10 pontos para o candidato neofascista.

A ideia de que o PT era um partido inerentemente sujo, corrupto, de que Haddad era apenas um fantoche de um condenado por corrupção… colou. Bolsonaro não precisou nem explicar seu programa. Nem seus recuos, suas ambiguidades, suas declarações inaceitáveis, em condições normais de temperatura e pressão lhe causavam dano. Bastava não ser o PT. Ele será o presidente sem ter passado pelo crivo de um debate com seu adversário.

Erros

É difícil falar em erros numa campanha nessas circunstâncias, com o juiz ajudando o adversário (juiz que depois entra na comissão técnica do time vencedor), e o adversário jogando dopado. Mas, com TSE, com tudo, relevando todas as anormalidades da disputa, houve erros da campanha de Haddad que precisam ser admitidos. E não foi (exatamente) a tal “Estratégia do PT”. Essa, como disse, deu certo. Em parte.

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Vejo cinco erros na campanha: primeiro, foi pouco explorado o tema da corrupção. Focou-se no tema do emprego, apostando que os brasileiros, depois de quatro anos de estagnação e recessão, estariam mais preocupados com isso do que com corrupção. Erraram. Estão preocupados com ambos. E Haddad e o próprio PT poderiam ter disputado com mais ênfase essa pauta. Haddad, inclusive, tem aquela narrativa (de fato) ótima do modo como ele desbaratou a máfia do ISS, colocando grana do próprio bolso para alugar a sala da força-tarefa, além dos argumentos mais “racionais” como ter criado a CGM, de ter sancionado a Lei de Acesso à Informação, a Lei Anticorrupção, de ter dado autonomia ao Ministério Público e à PF…

Nada disso entrou na campanha. A campanha poderia ter criado fatos de campanha, como lançar documentos de compromissos com propostas, ou endossar medidas do Unidos Contra a Corrupção. Era preciso reforçar a imagem de que Haddad era íntegro, ficha-limpa; seria preciso, para isso, reconhecer erros que alguns de seus filiados cometeram, mesmo que poupando seu principal cabo eleitoral, para então qualificar o debate. Ao menos no segundo turno seria preciso fazer esse sacrifício, para passar a mensagem aos eleitores não petistas de que o partido está se renovando e seus quadros de agora não iriam cometer os erros dos antecessores – e, mais do que isso, iriam criar regras para tentar dificultar ou impedir que tais práticas voltassem a acontecer (porque são, também, o partido que mais fez para combater a corrupção etc).

O segundo erro foi em não colocar a crise na campanha. Era só esperança, só retrovisor. Teria sido importante colocar a crise na campanha, fazendo aí o mea culpa, inclusive para controlar a narrativa dominante de que foi tudo culpa do PT, antes de dar esperança de que tudo vai ficar melhor. Quem assistia à propaganda do PT, parecia que era outra realidade, era um mundo cor-de-rosa (o que reforçava a ideia de que era o PT o governo). A propaganda não dialogava com a realidade das pessoas. Faltou essa conexão.

O terceiro erro foi de não ter feito a devida contraposição ao projeto de segurança pública de Bolsonaro. Com a ascensão de Bolsonaro no fim do 1º turno, a pauta da segurança pública deveria ter ganhado mais centralidade.

O quarto erro foi não ter feito uma associação melhor de Bolsonaro à Temer e à continuidade. Faltou atacar melhor esse aspecto, ainda que tenha sido tratado em algumas peças. Faltou associar Bolsonaro ao PP. Faltou falar dos aliados de Bolsonaro, já que presidente não governa sozinho.

E por fim, claro, o erro fatal: não ter estruturado uma campanha nas redes sociais – em especial no Whatsapp – a tempo. Falha do partido mais do que da campanha. Foi apenas na reta final do 1º turno que a campanha despertou tanto para engajar e disseminar conteúdo, quando para fazer contra-informação, isto é, tentar barrar a propagação da campanha difamatória e de notícias falsas vinda dos apoiadores do adversário. O outro lado já contava com uma vasta rede de grupos de apoiadores ao menos dois anos antes de a corrida eleitoral sequer começar.

Claro que não foram esses erros que levaram à derrota, mas se não tivessem sido cometidos, talvez o placar seria mais apertado.

E agora? O que fazer?

No 2º turno, Haddad cresceu muito politicamente. Se, no 1º turno ele era só um preposto, ou um “poste” de Lula, como falam seus detratores, ao passo que Ciro tinha cativado novos adeptos, no 2º turno a coisa se inverteu. Haddad conquistou um eleitorado que não era petista e terminou a corrida maior do que entrou. O problema é que ele foi, também, alvo de uma campanha difamatória muito intensa e pesada – e sua rejeição também subiu.

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Ao PT, resta saber se vai insistir com um candidato que foi derrotado mais uma vez, mas que se tornou conhecido e apreciado por muitos eleitores, ou se vai tentar construir seu projeto em torno de outra liderança. Há a insistência em Lula, especialmente depois da oficialização de Moro como ministro de Bolsonaro. Mas Lula segue preso, ainda responde a outros processos, e não deverá estar apto para disputar outra eleição enquanto estiver vivo. Outra possibilidade é Jaques Wagner, que terá 8 anos de mandato como senador, depois de ter sido eleito, reeleito governador; e ter elegido e reelegido seu sucessor na Bahia. Seja como for, uma das lições dessas eleições é que é preciso não demorar muito para se decidir, pois para se contrapor ao “Mito” é preciso criar outra liderança igualmente forte e que entusiasme, e que seja possível de construir uma rede popular de apoios – e isso leva tempo.

Meu palpite é que Haddad deveria ser essa liderança. Não vejo outra dentro do PT que seja capaz de dar um novo rumo ao partido, sem romper com seu legado lulista.

Para além do PT, há duas outras lideranças no campo da esquerda: Boulos e Ciro. Boulos, assim como Haddad, é um que saiu muito maior do que entrou, apesar do fraco desempenho eleitoral. Mas ele foi importante para marcar posições, teve desempenho destacado nos debates e, no 2º turno, foi para a linha de frente para apoiar Haddad e evitar um retrocesso democrático irreversível. Porém, sua base de apoio e seu desempenho eleitoral não o qualificam para disputar nacionalmente a liderança do campo progressista. Poderá, no entanto, ser, novamente, o candidato pessolista, que teve êxito em sua estratégia de fortalecer sua base no Legislativo.

Já Ciro teve um ótimo desempenho no 1º turno, menos em termos de votos, mas em termos de construção de sua liderança, imagem e sobretudo pautando o debate. Infelizmente, porém, ele errou e errou feio ao abandonar o 2º turno. Ele tinha tudo para ser o que Boulos foi, e entusiasmar o seu eleitor. Muito provavelmente não teria sido suficiente para virar o jogo, mas seria para ganhar o respeito e a admiração do eleitorado de Haddad. Nesse caso, ele poderia se tornar o grande líder da oposição à esquerda e construir sua candidatura para 2022, com uma frente ampla de esquerda – desta vez sem um petista à frente, mas sem prescindir do PT. Teria sido o líder “natural” da esquerda para 2022…

Mas optou por um “apoio crítico” e foi-se embora. Agora o país está nas mãos de um fascista e ele não fez nada para impedir. Agora ele é desprezado até mesmo por parte de seu próprio eleitorado, mas também pelos eleitores do PT, do PSOL e outros. Agora só os mais aguerridos seguidores relevam essa atitude. Ainda mais depois das entrevistas com tom duro e beligerante contra o PT. E segue queimando essa ponte em cada entrevista, ao mesmo tempo que, agora, atua para isolar o PT.

Dificilmente ele vai conseguir um espaço agora, dado que Bolsonaro deve estar em um dos polos e o outro polo deve ser ocupado por um expoente de centro-esquerda, muito provavelmente o próprio Haddad, se ele topar encarar mais essa bucha. A nova liderança da (centro-)esquerda não precisa ser do PT, mas não pode prescindir de seu apoio.

Flávio Dino é outra liderança promissora, mas lhe falta uma marca que o qualifique nacionalmente, como, por exemplo, Eduardo Campos tinha em 2014. Ainda no PCdoB, temos Manuela D’Avila, que elevou sua estatura política ao longo dessa campanha (e pré-campanha), mas que também precisa de uma marca, como a que teria à frente de uma prefeitura importante, governo ou ministério, para elevá-la ao patamar dos demais.

E tem ainda Marina, já fora do campo da esquerda, que teve um desempenho melancólico, demorou ao apoiar Haddad no 2º turno, porém, desde que o fez, cresceu e começou a fazer o que deveria ter feito desde 2014: oposição diária ao governo. Está indo à rua, gravando vídeos com militantes, contra os futuros ataques ao Meio Ambiente. É preciso ir além disso para se recuperar. É preciso fazer uma crítica forte e sistemática aos diversos campos de atuação do governo, em particular a economia, mas também educação, direitos humanos etc. Marina não está (ainda) em posição de liderar o centro, pela fragilidade de seu partido e sua base social, mas pode voltar a ser uma liderança importante.

Outra questão, para além da liderança, é pensar em 2020. A esquerda precisa recuperar grandes cidades. É a partir daí a base para a vitória em 2022 –  e o celeiro de novas lideranças. A frente de esquerda do Congresso deveria se transformar numa frente eleitoral. Manuela D’Ávila, outra que cumpriu um excelente papel, deveria ser a candidata da frente de esquerda em Porto Alegre. Áurea Carolina em Belo Horizonte. Freixo no Rio. Marília em Recife. Alice Portugal em Salvador. Juliana Cardoso em São Paulo. Edmilson em Belém. Por isso, não só a frente não pode prescindir do PT, como tem que ser até mais ampla, incluir, por exemplo, o PSOL, que tradicionalmente não se alia com partidos mais moderados… talvez até incluir a esquerda da Rede.

A união da esquerda deve ser ampla, pois o desafio imposto pela vitória de Bolsonaro assim exige. E não pode se dar apenas no Congresso. Tem que se dar nas cidades, nas lutas cotidianas. Infelizmente, porém, há forças que estão atuando para dividir o campo da esquerda, buscando sobretudo alijar o PT, e forçando uma disputa extemporânea sobre quem deve “liderar”.

O partido recuperou seu apoio histórico de 22% das preferências nacionais, conseguiu o governo de 4 Estados, além de ter eleito a maior bancada na Câmara (56 deputados). É o único partido que chegou ao 2º turno nas últimas 5 eleições, perdendo apenas nesta última vez. Uma frente de esquerda não pode prescindir do maior partido de esquerda do país. Mais ainda: o PT é o que está melhor posicionado para liderar essa frente, seja no Congresso, seja fora dele. Se não foi o grande vitorioso das eleições, não foi tampouco o grande derrotado (spoiler: foi o PSDB).

Isso não significa que o PT deva ser sempre o partido que lidera a esquerda. Não. Mas a alternância da hegemonia não se dá pedindo por favor. Se dá na disputa. O PSDB não pediu licença para o PMDB para liderar a direita entre 1994 e 2014. O PSL não pediu para o PSDB deixar de lançar candidato em 2018 para renovar a direita. Pode ser que no futuro outro partido assuma a hegemonia do campo da esquerda e substitua o PT. Mas, até agora, não há nenhum líder ou partido de esquerda que tivesse se credenciado para tal.

Tampouco significa que o PT não tenha que fazer sua crítica sobre suas práticas, sobre como mudar sua imagem de partido corrupto e perdulário e, principalmente, sobre como enfrentar o antipetismo (e não os antipetistas), que contamina a própria esquerda como um todo. O PT precisa urgentemente tratar de reverter sua imagem – o que não é só uma tarefa de marketing: vai exigir sacrifícios e uma reflexão sobre qual é a agenda do partido para o combate à corrupção – e como comunica-la.

De todo modo, pensar em liderança de frente de esquerda na atual conjuntura é um pouco ridículo. O outro lado deverá ter uma confortável maioria legislativa, além de um respaldo do judiciário de alto a baixo, pode e vai fazer grandes estragos. Eles terão acesso a recursos financeiros, humanos e materiais que jamais tiveram ao longo da campanha e antes disso também. Incluindo apoio da mídia e de setores do capital que não tinham aderido ainda.

Mas eles não são onipotentes. Podem e vão bater cabeça. Estão girando muitos pratos juntos, mas podem não conseguir equilibrar toda essa mudança de uma vez. A esquerda tem que estar bem posicionada para ferir o projeto fascista quando esses momentos chegarem. E isso só vai poder acontecer se a oposição, que já está em franca minoria, se unir. Mesmo que, nas próximas eleições, cada um siga seu próprio rumo.

O momento agora é de redução de danos, de apertar os cintos para 4 anos de muita turbulência, ataques e retrocessos. Pensar em 2022 é uma tolice.

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Alçado a presidenciável por sua força nas redes, Doria vê apoio derreter no Facebook

Após euforia no primeiro bimestre, vídeos do prefeito-virtual sofrem queda de visualizações de 87% em agosto

Goste ou não do prefeito de São Paulo, João Doria Jr, não se pode negar que ele se comunica bem. E se comunica muito. Estar diante das câmeras é seu seu hábitat natural. Doria, que comandou por anos o programa de entrevista-merchandising “Show Business” e duas edições do programa “O Aprendiz”, transformou seu mandato num grande reality show. De fato, Doria passou a comandar não só um, mas diversos programas de realidade na TV, só que com a mesma personagem.

Doria Gray

Tem Doria em reunião de trabalho, Doria fazendo “fiscalizações-surpresa” em subprefeituras e postos de saúde; programa de entrevista com nome, cenário e tudo; show de doação de salário para caridade; e, claro, muito merchandising de empresas que anunciam parcerias e doações “sem contrapartida” à Prefeitura. Além de vídeos aleatórios de ida ao trabalho de ônibus, vídeos de família e depoimentos raivosos contra jornalistas e rivais políticos – um mix que deixaria muito youtuber com inveja.

Como resultado, o número de telespectadores aumentou de maneira brutal: passou de respeitáveis 228.044, no início da campanha eleitoral em agosto de 2016, para 284.710, ao final da disputa. Em meados de janeiro, já eram mais de 1 milhão de seguidores. E ao final de agosto, 2,8 milhões. Ou seja, Doria multiplicou por 10 o número de seguidores e chegou a patamares próximos ao do ex-presidente Lula (3 milhões), e não muito distantes dos absurdos 4,5 milhões de seguidores de Jair Bolsonaro. Apenas como comparação, seu antecessor na Prefeitura, Fernando Haddad (que entrou tarde nas redes, é verdade) tem 325 mil seguidores  – nada mau para quem começou a campanha com 212 mil, mas não está na mesma liga dos três políticos citados. Já o padrinho-rival de Doria e governador do Estado mais populoso do país, Geraldo Alckmin, tem 862 mil.

Doria inaugurou uma nova forma de fazer política, na qual as redes sociais cumprem um papel-chave. Notícias ruins – como a demissão da Controladora Geral do Município, que investigava corrupção em sua administração – são rapidamente enterradas por dezenas de outras ações –, como a renovação (atrasada) do contrato de manutenção de semáforos ou alguma parceria que pretende resolver um problema que ninguém sabia que existia antes. Notícias negativas ou positivas são digeridas num mesmo ritmo de videoclipe. E são rapidamente esquecidas, sem maiores repercussões ou desdobramentos.

Ele informa cada passo de seu dia, cada reunião, cada viagem, chegada ou partida de um aeroporto. E isso ajudou, por algum tempo, a reforçar a sua imagem criada na campanha de “João Trabalhador”. Ajudou, mas não está ajudando mais. As redes sociais cumprem papel-chave porque servem não só como lastro e alimento de sua popularidade, mas também como termômetro que antecipam as (escassas) pesquisas de opinião.

Sorvete

Nos últimos meses, o prefeito de São Paulo começou a figurar em pesquisas eleitorais para a disputa presidencial de 2018. E, nas últimas semanas, cresceu a pressão para que Doria – um prefeito popular, não atingido pelas denúncias e com força nas redes sociais – fosse o candidato do PSDB, em detrimento de seu padrinho político Alckmin. A disputa entre ambos está próxima de um confronto aberto. Tudo do jogo, tudo normal.

A questão é que as pessoas assumem que Doria ainda é popular, apesar de a última pesquisa eleitoral ter sido colhida há longos três meses. Na atual conjuntura, é uma eternidade, muita água rolou debaixo dessa ponte desde então. Caberia analisar se a premissa – um prefeito popular e forte nas redes sociais – ainda é verdadeira. Ninguém até agora se colocou essa questão, e o prefeito de São Paulo segue sendo tratado como um fenômeno. Até agora. Porque o Novas Cartas Persas fez um esforço de guerra para fazer sentido dos 521 vídeos postados por Doria entre janeiro e agosto de 2017, para entender qual foi a real dinâmica desse “fenômeno político” nesse período.

Primeira coisa: o foco foram vídeos postados durante seu mandato no Facebook. O prefeito paulistano é ativo também em outras redes, como Twitter e Instagram. Mas o Facebook é, de longe, a maior e mais importante para o objetivo desta pesquisa. E o foco em vídeos, e não em fotos ou textos simples/links de notícias, se justifica porque, bom, Doria praticamente só posta vídeos – e é o meio que mostra o maior alcance do prefeito nessa rede. O escopo temporal foi de janeiro a agosto de 2017, e os dados foram colhidos entre 1°/09/2017 e 8/09/2017. Pode haver pequenas variações nos números de visualizações, joinhas e compartilhamento dos vídeos, em especial dos mais recentes da amostra (e mais ainda os da última semana de agosto), mas nada muito relevante para o nosso propósito aqui.

Como comparação, além do período de mandato, também foram tabuladas informações de número de postagens, visualizações e joinhas de vídeos de outros três períodos anteriores à posse: a pré-campanha, inaugurada com um vídeo de lançamento de sua pré-candidatura, em 21/08/2015, e que vai até o dia de início oficial da corrida eleitoral; a campanha propriamente dita, que foi de 16/08/2016 a 02/10/2016; e a pós-campanha, que se deu com a confirmação do resultado das urnas, ainda no dia 2/10/2016, até o dia da véspera da posse. Os vídeos foram analisados segundo cinco elementos: número de postagens, visualizações, “joinhas”, compartilhamentos e categoria (os 521 vídeos foram agrupados em 22 categorias). Aqui, mais importante que a quantidade absoluta de visualizações, joinhas e compartilhamentos, usou-se como métrica principal quantidade média, por vídeo, no tempo (mês ou semana), para controlar eventuais oscilações de quantidade de postagens numa determinada semana ou num determinado mês. Sem mais delongas metodológicas, vamos aos resultados:

Número de postagens

Se você tem a impressão de que Doria está em ritmo de campanha desde que assumiu, sua impressão está corretíssima. E agora você tem números para mostrar nas festinhas ou no zapzap da família. Mas erra quem pensa que Doria sempre usou intensivamente as redes sociais, mesmo antes de entrar na política. De fato, ele postou apenas cinco vídeos antes de começar a pré-campanha, e fez um uso bastante econômico das redes até começar sua campanha.

Gráfico 1

Mesmo no período de pré-campanha, entre 21/08/2015 a 15/08/2016, foram postados 108 vídeos. Uma média de pouco mais de 2 vídeos por semana. Já no período de campanha (de 16/08/2016 a 02/10/2016), o então candidato postava 2 vídeos por dia – ou 14 vídeos por semana. Vamos dar um “zoom” em duas partes distintas no tempo do gráfico acima: um zoom nas semanas de campanha e pós-campanha, e outro nas 35 semanas de mandato.

Gráfico 2
Observa-se no gráfico acima que na última semana de campanha, justamente quando ele cresceu mais rapidamente, foram 28 vídeos. Seguindo a apoteose da vitória, foram 14 vídeos na primeira semana de pós-campanha. Depois o candidato eleito sossegou e não postou tantos vídeos (houve até semanas em que ele não postou, vejam vocês!).

Gráfico 3
Por outro lado, o padrão quantitativo de postagens já durante o mandato demorou um mês para “aquecer”, mas só cresceu desde então. Chegou a postar 25 vídeos na 22ª semana de mandato (28/05 a 3/06). De fato, ele postou mais vídeos nas redes sociais em agosto de 2017, quando foram 87 publicações, do que todo o mês de setembro de 2016, quando a campanha eleitoral começou para valer e foram publicados 78 vídeos. O ritmo de campanha fica evidente já nessa primeira análise. E, notem, uma campanha política é cara, tem uma grande equipe de profissionais envolvida, produzindo e disseminando conteúdo. Já no mandato não há esse aparato todo, que se desfaz após as eleições.

Gráfico 4

Mas será que ele já era um “fenômeno” das redes sociais já na campanha? Para responder a essa questão, vamos à próxima seção: as visualizações.

Visualizações

A gestão Doria ainda tem pouca coisa substantiva a mostrar para quem já não é seu fã de carteirinha. Por outro lado, seus números são impressionantes, e não há como negar. Só durante seu mandato foram 320 milhões de visualizações em 521 vídeos – ou 608 mil visualizações por vídeo. É muito mais do que a audiência do “Show Business”, que marca, quando muito, 1 ponto no Ibope (ou 200 mil telespectadores).

Gráfico 5

Nota-se no gráfico acima que a recepção do público durante a campanha foi bastante modesta. Em média, cada vídeo recebeu, 100 mil visualizações. O número faria muitos políticos soltarem rojões, mas, quando vemos as primeiras semanas do mandato de Doria, o número fica tão pequeno que a escala não permite ver direito. Ou seja, visto em retrospecto, as redes sociais provavelmente não explicam seu êxito eleitoral. Mas, para ter certeza, seria preciso examinar a dinâmica mais de perto. Então, mais uma vez, mostramos gráficos separados em campanha/pós-campanha e outro do período de mandato.

Gráfico 6

Dando um “zoom” nos números de visualização desde a campanha até a posse, vemos uma oscilação: nas quatro primeiras semanas de campanha, Doria patina nas redes. Mas, depois, a partir da Semana 5, há um súbito aumento, de 27 mil para 198 mil visualizações por vídeo. Apesar de não ser o foco, vale a pena colocar mais uma lupa aí para ver quais foram os vídeos que motivaram esse súbito aumento. Foram três: o mais visto foi o trecho de uma entrevista na Jovem Pan (nada menos do que 2,5 milhões de visualizações) e os outros dois foram vídeos que o MBL produziu e gentilmente cedeu para a campanha de Doria, que não hesitou em postar em sua própria rede social (um vídeo com 468 mil, de um trecho do debate em que rebate uma crítica de Haddad com ataques ao PT e, outro vídeo que ele rebate discurso de Lula sobre sua riqueza com outro ataque contra Lula, com 451 mil visualizações).Na sequência, o vídeo da Semana 6 que viralizou foi um trecho do debate com pedido de resposta à candidata do PSOL Luiza Erundina – e que Doria aproveita para atacar o PT: lhe rendeu 3 milhões de visualizações. E, na sequência, na Semana 7, o vídeo mais visto foi sobre o vandalismo a estátuas de São Paulo – que aconteceu logo depois do debate na Globo, quando Doria e Marta Suplicy falaram em aumentar a repressão contra pichadores. Doria agradeceu: mais 3 milhões de visualizações dois dias antes das eleições, quando já não tinha mais nem debate, nem propaganda. Pode ter sido decisivo para dar o impulso final para lhe dar a vitória ainda no 1° turno. Ou não.

Gráfico 7
Doria começava o mandato com esse impulso eleitoral que fez seu número de seguidores quadruplicar entre a eleição e a posse. O patamar de número de visualizações, portanto, também cresceu substancialmente, chegando a 909 mil por vídeo logo na primeira semana, passando para 1,3 milhão na semana seguinte (com ajuda de um vídeo de ataque a Lula, visto 2,9 milhões de vezes), chegando ao pico de 2,5 milhões na Semana 3, quando foram apresentados os seus principais programas (Cidade Linda, Calçada Nova e visitas-surpresa a postos de saúde). Era o ápice da lua-de-mel. Poucos dias depois, uma pesquisa Datafolha completamente extemporânea (jamais fizeram pesquisa após 5 semanas de mandato), apontava Doria com 44% de avaliações positivas e apenas 13% de negativas. Um sonho para qualquer político.

Gráfico 8

O dado de visualizações por vídeo agregado por mês mostra uma tendência mais clara. Aquele mês de janeiro foi auge. Passado o buzz inicial da nova paixão paulistana, os telespectadores foram perdendo interesse a cada mês que passava. Maio foi o último mês realmente forte para Doria nas redes sociais, com 674 mil visualizações. E foi o mês da última pesquisa Datafolha (a que se usa como parâmetro para qualificar Doria como um prefeito altamente popular). Mas, depois desse período de novidade, houve uma brusca queda em junho – o que já poderia ter acontecido em maio, não fosse a o vídeo confrontativo “Resposta ao Lula”, que foi visualizado nada menos que 8,9 milhões de vezes (o vídeo mais visto durante seu mandato) e um vídeo bombástico “Prefeitura e Governo de São Paulo dão fim à Cracolândia”, que recebeu 5,7 milhões de vistas.

De todo modo, o fato é que as visualizações por vídeo em agosto sofreram uma queda de 87% em relação ao pico, registrado em janeiro. O patamar ainda é elevado: 183 mil, semelhante ao da campanha – mas declinante e definitivamente não muito impressionante para quem se pretende candidato a presidente, impondo-se ao partido como um desejo “do povo”.

“Joinhas” e compartilhamentos

As visualizações de vídeos no Facebook podem ser superestimadas: muitas vezes eles não são de fato vistos, já que os vídeos podem ser acionados automaticamente e contam como uma visualização (é interessante não só para quem posta, mas para o próprio Facebook inflar o alcance de suas publicações). Mas as pessoas podem ver… e não gostar. Ou achar OK. Ou gostar muito. Aí há outras duas métricas para que servem como proxys desse entusiasmo ativo: os joinhas (ou curtidas, como são mais conhecidos) e compartilhamentos. São dois níveis diferentes de engajamento e adesão: o joinha é uma reação de apoio (agora não necessariamente) mais contida. Já o compartilhamento é uma reação mais forte de apoio. Temos aí uma pessoa que não só gostou (em geral), como teve tanto entusiasmo que achou que deveria compartilhar e, portanto, expor publicamente sua preferência.

Normalmente, portanto, teremos mais joinhas do que compartilhamentos. E menos oscilações bruscas no tempo no número de compartilhamentos comparado ao número de joinhas.

Gráfico 9

Partindo agora da tendência agregada por mês, temos que na comparação entre janeiro e agosto, houve uma queda de 80% na média de joinhas por mês, e um desconto de 89% na quantidade de compartilhamentos. As pequenas oscilações em maio, como vimos, são explicadas por ações na região da cracolândia e um vídeo confrontativo contra Lula – que deram uma curta sobrevida, mas não sustentaram a tendência inexorável de queda dos meses seguintes. O leve repique de julho se explica por um vídeo confrontativo contra um jornalista da Folha (“Resposta ao Jornalista da Folha de S.Paulo” 85 mil joinhas), dois vídeos confrontativos contra Lula (179 mil e 102 mil joinhas respectivamente), na ocasião da sentença de condenação em primeira instância, no âmbito dos julgamentos da Operação Lava Jato e dois vídeos confrontativos na ocasião da pichação do muro de sua casa (94 mil e 83 mil joinhas cada um). Esses quatro vídeos foram publicados na mesma semana, o que explica o repique da semana 28 (9/7 a 15/7), como no gráfico abaixo:

Gráfico 10
Cabe colocar aqui que, durante a campanha, seu desempenho nas redes foi bastante mediano, na comparação com sua melhor fase como prefeito (janeiro a março). Sua média de joinhas por vídeo entre 16 de agosto de 2 de outubro oscilou entre 1.180 e 6.014. Na semana pós-vitória houve um pico de reações e, no final do ano, outro aumento, mas o número de vídeos publicados era pequeno. Quando começou o mandato, o número de joinhas por vídeo foi de 38 mil logo na Semana 1. Atingiu o pico de 113 mil na Semana 3. Na Semana 35 atingiu o valor mais baixo: 10.100. Ainda bastante alto, mas já não é mais o fenômeno que foi.

Categorias

Para terminar, vale uma pequena análise mais qualitativa das postagens de Doria nas redes sociais. Só durante seus primeiros 8 meses de mandato, foram 521 vídeos postados em cerca de 240 dias. Para fazer sentido desses vídeos e identificar padrões, o Novas Cartas Persas agrupou esse conjunto em 22 categorias mais ou menos amplas.

Tabela 1

De longe, a categoria com mais vídeos postados ao longo do mandato do prefeito paulistano se enquadra na categoria “Parcerias; doações; reunião ou evento empresarial; merchan”. Foram 1 a cada 5 vídeos (mais exatamente 18,6% do total) exaltando marcas, parcerias (algumas de utilidade duvidosa e sem explicar os termos). Além dos 97 vídeos, se enquadraram na categoria outros 80 “Autopromoção; entrevista; viagens”. Somados, essas duas categorias representam 34% dos vídeos postados. Ou seja, 1 a cada 3 vídeos postados tratando de temas empresariais ou de autopromoção e viagens. A medalha de bronze fica com os vídeos do programa de zeladoria de Doria, Cidade Linda, e outras medidas relacionadas que entraram na categoria “Cidade Linda; Calçada Nova; Zeladoria; medidas estéticas”. Essas três categorias responderam por quase a metade de todos os vídeos postados. No pelotão seguinte, ficam os 39 vídeos da categoria “Doação de salário; demagogia, sentimentalismo”. Logo abaixo, 35 vídeos sobre “Outras áreas, ações e políticas da gestão e formalidades” (políticas públicas de várias áreas além das destacadas em categorias próprias). Lá atrás, Educação (7) e Política Nacional (3).Engana-se, porém, quem pensa que os vídeos “empresariais” e de merchan são mais postados porque fazem mais sucesso. De fato, é a 6ª categoria com menos visualizações por vídeo.

E qual categoria faz mais sucesso, proporcionalmente? De longe, a categoria “Confrontativo; antipetista; anti-Lula; antitrabalhadores”. Com apenas 12 vídeos publicados, ela recebe, em média, 2,2 milhões de visualizações por vídeo, quase 100 mil joinhas e 64 mil compartilhamentos. Quanto mais vídeos confrontativos (agressivos, de hostilidade, réplica, resposta enérgica etc), mas apoio. São esses vídeos confrontativos que explicam os repiques em meio a uma tendência mais forte de queda.

Tabela 2

Além disso, fazem sucesso vídeos relacionados a questões de “Lei, ordem, vigilância e moralidade”. Pouco explorados, os 10 vídeos sobre “Saúde; Corujão” também receberam muitas visualizações. Assim como vídeos de “Doação de salário; demagogia, sentimentalismo”, só que esses foram bem mais numerosos, como vimos.  Os vídeos que geraram menos interesse foram de “Reunião, intercâmbio ou evento de governo” (233 mil visualizações) e “Cultura; Carnaval” (347 mil).No ranking individual de vídeos, vemos como a dinâmica operou:

Tabela 3
Entre os 20 vídeos mais vistos, 4 são relacionados a ações demagógicas, 3 a postagens “confrontativas”, 3 a postagens de autopromoção/viagens e 3 a ações “empresariais” ou merchans. O que dá uma boa amostra do que Doria tem a oferecer ao seu eleitor (além, é claro, de propostas de privatização).Se os 12 vídeos confrontativos fossem tirados da conta (linha laranja do gráfico abaixo), teríamos uma tendência muito mais rápida de queda, sem nenhum repique, como aconteceu nas semanas 17, 18 e 28.

Gráfico 12
Os vídeos classificados como “confrontativos” estão listados, em ordem cronológica, na tabela abaixo:

Tabela 4
Moral da história: Doria foi um fenômeno nas redes. E, curiosamente, esse entusiasmo não nasceu na campanha – quando o desempenho de Doria era relativamente modesto. Houve, sim, uma euforia inicial com a vitória inédita e inesperada no 1° turno (que possivelmente surpreendeu os próprios eleitores de Doria), que por sua vez ajudou no aumento de sua base de seguidores para os primeiros dias de mandato. Doria começou forte nas redes em janeiro e, depois do primeiro trimestre, esse entusiasmo foi baixando mês a mês: entre janeiro e agosto, a queda de visualizações por vídeo foi de 87%. Vídeos confrontativos (seja em resposta a jornalistas ou alguma provocação a Lula) funcionam como um anabolizante que melhoram seu desempenho – melhora que não dura depois.Doria ainda segue com um desempenho bastante razoável nas redes, com uma grande base de seguidores. Mas muito baixo em relação à sua base de 2,8 milhões de seguidores. Doria perde apoio e entusiasmo “em casa”, nas redes – muito provavelmente de internautas paulistanos em sua maioria – num momento em que suas pretensões nacionais ficam cada vez mais explícitas.

PS: A base de dados brutas que serviu de base para este post está disponível aqui

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11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #11 impeachment condicionado a eleições gerais

Há um problema no nosso sistema que esteve latente por muitos anos, e se manifestou de maneira mais clara entre 2015 e abril de 2016. Mas não se enganem, ele sempre esteve lá: presidentes tiveram sempre que conviver com a ameaça tácita do Legislativo derrubá-los. Entra presidente, sai presidente, a espada sempre esteve (e, se nada fizermos, sempre estará) sobre o pescoço do presidente (ou da presidenta) da vez. Não por acaso, o país teve nada menos do que 2 processos de impeachment no espaço de apenas 24 anos, ou 1 a cada 12 anos, ou ainda 1 a cada 3 mandatos presidenciais. Como disse FHC, antes de aderir ao “Fora Dilma”, o impeachment é o equivalente político à bomba atômica: deveria ser instrumento de dissuasão ou usado em último caso. Só que usaram para matar mosquito. Uma vez aberto esse precedente perigoso, dificilmente é possível colocar esse gênio de volta na lâmpada. Aí a questão que ficará sempre é: quem será o próximo?

Impeachment - silhueta

Desde que Collor foi deposto, os presidentes eleitos, FHC, Lula, Dilma, tiveram sempre que articular uma maioria parlamentar bastante folgada, mais ampla até que a coalizão eleitoral, em nome da “governabilidade”. Mas não (só) para implantar sua plataforma vencedora nas urnas, reformas ou o Orçamento nosso de cada ano, mas simplesmente para manterem os respectivos mandatos até o final, para não serem alvos de um golpe parlamentar. Como se sabe, uns tiveram mais habilidade (e recursos) que outros. Ironicamente, durante a campanha eleitoral, a campanha da então candidata à reeleição Dilma Rousseff, para se contrapor à falta de apoio parlamentar de sua rival Marina Silva, ressaltava a importância de ter maioria parlamentar: “sem apoio no Congresso Nacional não é possível assegurar um governo estável, um governo sem crises institucionais”. Pois é. Nunca foi tão ruim para ela estar certa.

 

Antes de continuar, é importante dar o crédito da ideia logo de cara: esta proposta vem diretamente do Twitter (sim, tem boas ideias sendo discutidas nas redes sociais, não é só textão, notícia falsa e chorume), de autoria do Rodrigo Saraceno (@RDSaraceno) publicada aqui (mas infelizmente a postagem foi apagada… mas a ideia segue sendo boa e vou adaptá-la aqui). Seguimos.

Essa ameaça permanente deposição pode ter causas diversas, mas só é possível existir por conta dos incentivos (ou da falta de desincentivos) existentes no atual ordenamento político-institucional brasileiro.

Em resumo, há um problema com a regra do impeachment: ele dá muito poder ao Legislativo, que pode, virtualmente, derrubar o chefe do Executivo por qualquer motivo que remotamente (ou nem isso) seja considerado (pelo próprio Legislativo) como crime de responsabilidade. O impeachment, mesmo quando justo, é uma ruptura da normalidade, um trauma e, quando injusto ou contestado, pode agravar a instabilidade social e política. Nada que demova parlamentares, caso a maioria entenda que é de seu interesse depor o chefe do governo. O custo de derrubar um presidente, governador ou prefeito é baixo… para o parlamentar. Desse modo, sob esse “voto de desconfiança pela metade”, torto, incompleto, o princípio de equilíbrio e harmonia entre Poderes estaria sempre ameaçado.

Para aumentar esse custo, Saraceno propõe que, caso o Senado (ou Câmara dos Vereadores, ou Assembleia Legislativa) decida pelo afastamento, eleições gerais seriam convocadas imediatamente – também para o Legislativo. “Ao condicionar o impeachment a eleições gerais permitiria alinhamento entre o Legislativo e Executivo após processo traumático do Impeachment”, nas palavras de Saraceno.

De fato: ao perder a maioria absoluta a ponto de sofrer o impedimento, o Executivo estaria fraco demais para implantar sua plataforma. Num sistema parlamentarista, a oposição pode pedir uma moção de censura e, caso seja aprovada, pode obrigar o primeiro-ministro a renunciar, dissolver o Parlamento e convocar imediatamente uma nova eleição. Já no Brasil, depois de aprovado um processo de impeachment, os legisladores ficam onde estão. Mais ainda: ficam numa posição de força maior, colocando à sua mercê o vice que assume, mas que não tem a mesma legitimidade política e respaldo popular (mesmo se o vice for do mesmo partido do presidente… e não conspirou para derrubá-lo). Um Executivo fraco e um Legislativo hipertrofiado.

Seria justo, portanto, que o Legislativo, caso opte por afastar o líder eleito pela maioria dos eleitores, tenha de enfrentar novo escrutínio do povo. O restante do rito seguiria o mesmo, só mudando a última etapa. Isso significa o equivalente a submeter ao povo a decisão política de depor o chefe do Executivo. Isto é, ao condicionar o impeachment à convocação de eleições gerais, seria dada aos eleitores a prerrogativa de apoiar a deposição e reforçar a maioria legislativa, ou, ao contrário, de punir os legisladores dando força ao grupo do chefe de governo deposto.

Isso significa aumentar o custo (para os parlamentares) de depor um presidente sem que haja uma justificativa respaldada pela opinião pública e pela vontade popular. Afastar, por exemplo, um presidente popular poderia afetar as chances de o deputado ou senador de se reeleger. Antes de avançar com um processo de impeachment, portanto, os parlamentares teriam de levar em conta no seu cálculo político a opinião popular e o risco de não serem reconduzidos, o que fatalmente demoveria muitos processos não-republicanos. Já os processos de impeachment fundamentados em fatos graves e com respaldo popular não seriam contidos (embora possa significar fazer campanha de sensibilização não só com parlamentares, mas também com a opinião da pública sobre esses fatos, o que seria algo saudável. Nada mais razoável). Mas não bastará que o presidente da vez esteja sofrendo baixa popularidade, esteja sob uma econômica conjuntura ruim ou esteja fazendo um mau governo: os parlamentares precisariam ter respaldo popular (em 2016, por exemplo, como vimos, apesar da baixa popularidade de Dilma, os parlamentares não estavam em situação melhor).

Balança do Impeachment

Acabaria, assim, com a ambiguidade de um processo “jurídico-político” e tornaria o impeachment um processo eminentemente político, embora também jurídico. E seria uma forma de inserir uma modalidade equivalente à moção de censura, sem a necessidade de mudar o sistema de governo.

Isso certamente renderia um sistema mais estável e equilibrado, com mais incentivos para produzir consensos mínimos que não levassem a uma crise, mesmo em situações politicamente adversas.

 

Leia as outras Propostas para uma Reforma Política Maximalista

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11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #10 Parlamentar que se candidatar a outro cargo eletivo ou no Executivo durante o mandato terá de renunciar

Um dos grandes problemas do nosso sistema político é que não nos sentimos representados pelo Congresso que elegemos. Pior: temos pouco controle sobre quem de fato está nos representando nas Câmaras ou nas Assembleias Legislativas. A composição Câmara (ou Assembleia) eleita é bem diferente da composição Casa que de fato vai nos representar ao longo dos 4 anos que seguirão. E isso piora a relação de representação e o sentimento de representatividade do Legislativo.

 

Muitas vezes, vereadores, prefeitos, deputados e senadores usam seus novos (ou nem tão novos) cargos eletivos como trampolim para voos maiores. Talvez o maior exemplo disso seja o agora senador José Serra: eleito prefeito em 2004, se descompatibilizou 15 meses depois da posse para disputar (e vencer) a disputa para o governo. E, depois, em 2010, ainda com 9 meses para terminar o mandato, saiu do Palácio dos Bandeirantes para disputar (e perder) a Presidência. E isso é do jogo.

Mandatários têm todo o direito de disputar outros cargos. Um bom (ou mau) prefeito pode, mesmo no início de seu mandato, ser alçado à condição de candidato ao governo. O mesmo para um deputado de destaque, que pode ser cotado para uma Prefeitura. Porém, o que não é do jogo é a possibilidade de simplesmente se licenciar do cargo para disputar uma eleição… e voltar em caso de fracasso. No caso de Serra (e dos chefes de Executivo que não estão disputando reeleição), ele abriu mão e arriscou alçar voos maiores.

Hoje, nada menos do que 58 deputados eleitos não estão mais na Câmara, 37 se licenciaram e 19 renunciaram (dos que foram eleitos mais não estão ocupando mandato, apenas Cunha, cassado, e João Castelo, falecido, não deixaram a Câmara para ocupar cargos no Executivo).

Dança das cadeiras

Esses 19 deputados renunciaram ao mandato em 2016 para chefiarem as prefeituras (ou serem vice-prefeitos) de seus municípios. Mas foram 19 de um total de 81 parlamentares que se candidataram. E, claro, os 62 que disputaram eleições locais regressaram a seus postos que estavam dispostos a abandonar. Já os que se 37 licenciaram, ocupam hoje secretarias estaduais ou chefiam ministérios. Moral da história nada menos do que 56 deputados eleitos (alguns com uma quantidade expressiva de votos) não ocupam seus cargos. Nada, nada são 11% dos deputados (maior que a bancada feminina na Câmara). Claro, mas o eleitor continua sendo representado… pelos suplentes, que também receberam votos (embora menos que os titulares). E mais: como temos ainda, em nosso sistema, coligações em eleições proporcionais (embora não devêssemos), isso mexe na distribuição de cadeiras no Legislativo.

A composição partidária da Câmara Federal, portanto, varia ao sabor de nomeações e eleições locais. O mesmo vale para Câmaras dos Vereadores e assembleia. E também vale para os secretários e ministros, que podem ocupar e se licenciar a qualquer momento, sem qualquer constrangimento ou relação com o eleitor, por exemplo, quando há votações importantes, como o impeachment de Dilma e a sobre a denúncia contra Temer (e reformas também). Essa movimentação toda também não ajuda o eleitor – que já acompanha pouco os Legislativos – a acompanhar o mandato de seus representantes e a cobrá-los por posições que tomam.

Mas o problema não (só) é deixar o cargo para o qual foi eleito na metade do mandato (ou antes!) só para se candidatar a outro “mais importante”. Sim, alguns poderiam, a princípio, ver isso como um desrespeito ao compromisso com o eleitor estabelecido durante a campanha eleitoral, uma quebra da confiança. Só que isso é subjetivo: no fim das contas, se é desrespeito ou não, cabe ao eleitor decidir. O problema é que não há riscos nessa empreitada. Em caso de derrota, o parlamentar volta e segue normalmente seu mandato. Ao contrário, há muitos incentivos para usar o mandato para se projetar para outros cargos, sem nenhum custo adicional.

Ao impor a “trava” suave para legisladores, espera-se que os mandatários tenham menos incentivos para abandonar o cargo no meio do mandato para disputar eleições. Seria algo parecido com a regra para governadores e prefeitos, que têm que se descompatibilizar de seus cargos se quiserem se candidatar a governador ou presidente da República, respectivamente. Nesses casos, os vices assumem e ficam até o término do mandato. Vença ou perca, o titular não volta. Claro, nesses casos, essa obrigação não é grande a ponto de desencorajar esse movimento. Mas, quando se trata de movimento de políticos passando de Legislativo para Executivo, pode ser um desincentivo importante, que pode trazer um efeito positivo para fortalecer os mandatos legislativos e a representatividade dessas Casas.

 

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11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #9 Ampliar mecanismos de fidelidade partidária

A fidelidade partidária pode ser definida, de modo geral, como o “cumprimento de compromisso de lealdade, como programa do partido político e de obrigações assumidas por seus componentes”. Apesar de termos um sistema de voto nominal para eleger deputados e vereadores, o voto é, sobretudo, para o partido. É graças ao voto no partido que a ampla maioria dos deputados e vereadores consegue se eleger (e não há nada de errado nisso). E, no nosso sistema pluripartidário, para que o chefe de Executivo tenha maioria no Legislativo, geralmente ele precisa fazer alianças com outros partidos (e dividir o poder em contrapartida). Num mundo ideal, as alianças deveriam ser feitas com base em afinidade de programa numa negociação em que as partes, eventualmente, façam concessões aqui e ali em pontos não essenciais (se houvesse concordância absoluta, não seriam partidos distintos, não é mesmo?).

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O problema é que, na prática, a teoria é outra e as negociações são muito custosas para o Executivo, em especial quando há crise econômica ou uma matéria impopular está nos planos do Executivo para ser votada pelos parlamentares. Não raro a negociação se dá no plano pessoal, com cada deputado ou com cada grupo intrapartidário, envolvendo negociação de nomeações e emendas parlamentares.

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Mecanismos de fidelidade partidária são adotados no mundo todo para garantir a governabilidade e diminuir os custos das negociações dos governos. Uma possibilidade é instituir regras mais rígidas de disciplina partidária aqui, impondo, por exemplo, que, em caso de votação de Medidas Provisórias ou/e Projetos de Emenda Constitucional, as bancadas partidárias devem votar em bloco, após votação interna (e aberta) da bancada.

Uma outra possibilidade é de obrigar que a aliança entre partidos da base dos governos seja formalizada, nos termos de um documento-compromisso, com uma plataforma legislativa concreta, específica e de princípios gerais. Ao assinar esse documento, que será protocolado formalmente ao presidente da Câmara, o partido aliado, por meio do líder de sua bancada, se compromete a votar em bloco em projetos de lei contemplados no documento-compromisso que selou a aliança.

Nesse caso, o líder do governo poderá invocar essa cláusula de fidelidade se houve entendimento que se trata uma matéria do documento-compromisso. Caso algum partido acredite que esse instrumento não tem cabimento naquela dada votação, ele poderá apelar ao Judiciário.  Por fim, caso algum deputado decida, mesmo assim, votar contra uma matéria desse documento pactuado, ele estará sujeito à perda de mandato, mas poderá apelar ao Judiciário para se defender. A bancada pode, também, decidir romper com o governo e se retirar do compromisso, se a maioria assim o decidir. Qualquer deputado pode pedir um “voto de desconfiança” para sair do governo ou na sua  própria liderança de bancada.

Outra possibilidade de manter o controle social sobre os mandatos é empoderar os partidos: sempre que a direção partidária decidir que a bancada deve fechar questão numa determinada matéria. Mas ela terá autonomia para decidir o encaminhamento da bancada. Trata-se de uma maneira de manter os mandatos sob algum escrutínio, mas com um certo grau de autonomia, e também de responsabilização dos próprios partidos (o que seria ainda melhor se houver uma reforma partidária que deixe os partidos mais permeáveis à participação e que dê mais transparência às agremiações).

Os deputados, senadores ou vereadores que votarem contra a maioria da bancada de seu partido perderiam sumariamente seus mandatos, caso o partido entrasse com o pedido na Justiça. Com a perda do mandato por infidelidade partidária, assumiriam os seguintes da lista (ou o suplente, no caso do Senado). Os parlamentares teriam sua autonomia preservada em diversas atividades parlamentares (e em votações que não fossem exigida fidelidade partidária) e na própria deliberação do fechamento da questão. Seria uma maneira de reforçar a identidade partidária e também a ligação mais orgânica entre partido e mandatários. É uma das maneiras de reforçar o partido: não é só dando-lhes mais recursos e mais cadeiras, mas fazendo com que tenham mais coerência ideológica interna quando ocupam mandatos representativos.

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A questão da fidelidade partidária não afeta só a governabilidade, mas também afeta a qualidade da representação. Muitas vezes, ao contrário do que se pensa, o voto é, sim, ideológico e partidário. E há vezes que o político decide mudar de partido, mesmo tendo sido eleito graças ao empenho de seus militantes e voto de seus eleitores. Uma mudança de partido é grave em particular para o caso de senadores, que têm um mandato de 8 anos.  No caso dos deputados e vereadores, salvo quando o parlamentar migra para um partido recém-criado, essa questão é equacionada: o mandato é do partido. Mas não para o Senado (graças a uma decisão equivocada do STF). Com essa decisão, só em março de 2016, no espaço de seis meses, dez senadores tinham trocado de partido, segundo levantamento do Congresso em Foco. Mais recentemente, outros cinco senadores mudaram de partido e, depois, outros dois mudaram de agremiação para se juntarem ao novo-velho partido Podemos. Isso sem falar da senadora Marta Suplicy, que trocou o PT pelo PMDB.

Assim, proponho que, se um senador eleito muda de partido durante seu mandato (que é o mais longo de todos os cargos eletivos), ele terá de se submeter a um referendo e manterá seu cargo, já no novo partido, se os eleitores assim decidirem. Esse “referendo revogatório” limitado poderia ser feito junto com eleições locais ou gerais – e poderia abrir a possibilidade, apenas no último ano de seu mandato, de abrir “janela” para que o político mude de partido sem que seja submetido a referendo.

Caso contrário, o partido ao qual era filiado quando da eleição poderá requerer seu mandato e o suplente assume. Seria um mecanismo para aumentar o custo de mudanças oportunistas de partido. Apesar do senso comum, como disse, muitas vezes o eleitor vota no partido e não na pessoa. Quando um político troca de partido (e mantem-se no cargo), é justo que o eleitor seja consultado, especialmente quando há uma grande inflexão ideológica.

Haverá sempre um trade-off entre autonomia parlamentar e disciplina partidária. Ambos são importantes, o desafio é achar um equilíbrio.

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11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #8 Limitação à reeleição nos legislativos a uma

Essa proposta é bem autoexplicativa: vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores só poderão se apresentar uma vez em eleições para tentar ser reconduzidos de forma consecutiva. Ou seja, vale a mesma regra para cargos do Executivo.

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Meme analisado pelo portal de checagem de fatos PolitiFact

A reeleição é uma regra positiva para a democracia. Muitas vezes, o ciclo de políticas públicas (no caso do Executivo) e de processos legislativos (no caso de parlamentares) não coincidem com apenas um mandato – e, mesmo quando coincidem, é legítimo, democrático e desejável que o mandatário possa continuar e consolidar seu trabalho em outras frentes de atuação. Além disso, a possibilidade de reeleição é salutar como mecanismo de responsabilização e prestação de contas ao eleitor – que pode premiar ou punir um bom ou mau representante com seu voto.

O problema é a reeleição ilimitada no Legislativo, que traz diversas distorções ao processo democrático. Veja a eleição de 2014, por exemplo. Mesmo tendo a maior proporção de renovação desde 1998, nada menos que 56,5% dos deputados eleitos naquele pleito já ocupavam mandato. Não parece tanto, mas é.  A questão é que muitos deputados simplesmente não se apresentaram à reeleição. Se analisarmos apenas no universo dos que efetivamente tentaram a reeleição, o quadro fica mais claro: apenas 25% dos deputados com mandato não conseguiram permanecer no cargo.

Agora, como explicar um tamanho êxito eleitoral quando tínhamos um Congresso com apenas 14% de avaliações positivas (ótimo/bom) e 34% de avaliações negativas (ruim/péssima), segundo pesquisa de opinião pública do Datafolha, em maio de 2014?

Datafolha - Avaliação congresso

(depois, é bom lembrar, a avaliação piorou significativamente, e chegou a 58% de avaliações negativas em dezembro de 2016)

Datafolha - Avaliação congresso 2

Assim, apesar de o Congresso ter uma baixa avaliação, há uma taxa de reeleição alta. Em 2014, que foi o ano de maior renovação, dos 391 deputados que tentaram reeleição, 290 (ou 74% desse total) conseguiram se reeleger. E isso não é privilégio do Brasil. Nos EUA, onde o sistema é majoritário (mais conhecido como “distrital”), e, logo, como vimos aqui, onde o poder econômico tem mais peso, essa “taxa de sucesso” é ainda maior: 95% dos deputados que disputam a eleição conseguem se reeleger, embora o Congresso fosse aprovado por apenas 14% dos eleitores de lá, segundo checagem do PolitiFact.

Ou seja, ocupar o mandato já oferece uma vantagem enorme ao candidato, que já começa a disputa com chances muito maiores do que seus concorrentes. Quadro que piora quando temos também a “política de pai para filho”, como no Senado: menos 59 dos 81 parlamentares no Senado têm ou tiveram familiares no exercício de mandatos políticos, segundo levantamento do Congresso em Foco.

Claro, a possibilidade de reeleição, como disse, é positiva (assim como para mandatos do Executivo). Mas, quando essa reeleição é ilimitada, o problema da isonomia começa a se sobrepor ao do benefício de mais tempo de mandato e a possibilidade de reeleição.

A limitação (mas não o fim) da reeleição no Legislativo tem uma série de benefícios: para começar, aumenta a igualdade de condições de disputa entre os candidatos. Aqueles que já possuem mandato. São mais conhecidos, tem mais acesso à mídia, empresários, têm mais força dentro do partido e podem usar legitimamente de seu mandato para promover o seu trabalho (e por tabela, a si mesmo).

A reeleição ilimitada bloqueia a renovação das ideias, aumenta muito o custo de entrada de novos políticos e a expressão das novas forças populares da sociedade. Isso nos leva a um segundo benefício: maior potencial para oxigenar as “casas do povo”. Seria o fim dos “políticos profissionais”, dos Henrique Alves ou Wadih Mutran (e também de bons políticos que passam décadas no cargo, mas cuja contribuição pode ser dada em outros espaços e cargos). O terceiro benefício é que o mandato parlamentar passa a não girar tanto em função da próxima eleição (o que era mais problemático quando havia doações empresariais) e como financiá-la, e mais em torno das especificidades do próprio cargo eletivo. Em suma, menos gente vivendo da política e mais gente que vive para a política.

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11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #7 Permitir a formação de partidos de âmbito municipal

Uma crítica feita ao sistema partidário – vinda dos cidadãos que estão interessados em participar – é que não se sentem representados pelos partidos que aí estão; que as estruturas dessas organizações são muito rígidas e partidos são apropriados por interesses consolidados que vão muito além da esfera da qual gostariam de participar, isto é, da esfera local. Formar um partido novo não é tarefa fácil. Afinal, quem tem o tempo, recursos humanos e materiais para coletar assinaturas de 0,5% do eleitorado do pais (cerca de 500 mil eleitores), espalhadas em pelo menos nove Estados, com no mínimo 0,1% do e eleitorado de cada Estado?

Partidos locais

Além disso, na conjuntura em que vivemos de grandes escândalos envolvendo partidos tradicionais – à esquerda, à direita e os meramente fisiológicos – contamina dinâmicas locais que muitas vezes tem pouco a ver com o que está acontecendo no plano nacional. E isso acaba afastando não só os eleitores, mas as pessoas mais interessadas em se engajar e participar do processo político. Aí surgem alternativas – na direção equivocada – de lançar candidaturas avulsas.

O que proponho é outra coisa: permitir a formação de partidos ou federação de partidos (para Executivo) de âmbito municipal apenas, para disputar eleições para as prefeituras e vereança. Essa mudança tem por objetivo estimular o engajamento popular em âmbito local. A ideia é inspirada no sistema da Espanha, onde há partidos nacionais e partidos das chamadas Comunidades Autônomas (o equivalente aos Estados), mas mais exatamente, nas agremiações que disputaram as eleições locais como o Barcelona en ComúAhora Madrid, Compromís de Valência, Zaragoza en Común, entre outros.

O partido ou federação de partidos pré-existentes devem ser formados até um ano antes das eleições e, após as eleições, deve seguir se comportando como um partido, caso consiga ocupar cadeiras ou ser eleito para o Executivo municipal, podendo ser desfeito ao final do mandato (ou após o término das eleições, caso não tenha elegido nenhum candidato) ou não. O processo de formação desse partido ou federação de partidos passa pela coleta de um número de assinaturas de eleitores, tal como para a formação de siglas nacionais. A diferença é que nesse caso os eleitores são apenas de um mesmo município. Esse partido poderá ter direito a acessar o fundo partidário, que já seria totalmente “democratizado” (conforme item #3 da reforma maximalista). Assim, comunidades locais (coletivos, grupos temáticos, associações de bairro) poderiam disputar eleições sem necessariamente ter de se filiar a um partido nacional já existente.

Pode ser, inclusive, uma forma de “iniciação” da participação dos cidadãos na vida partidária. Um cidadão que decide se envolver em um partido local/comunitário numa eleição pode, na eleição geral, se engajar em um partido nacional “parceiro”. Ou um partido local, com o tempo, pode ser inteiramente incorporado a um partido nacional e virar uma “tendência”. Ou não.

O ponto é que abrir uma possibilidade de ação coletiva no sistema político abre muito as possibilidades de participação e engajamento direto – sem prescindir da construção de projetos políticos coletivos e sem eliminar a atuação local dos partidos nacionais (ao contrário, pode até mesmo reforçá-los com alianças e intercâmbios entre partidos nacionais e partidos locais).

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11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #6 Sistema proporcional de 2 turnos

Não acho que seja urgente ou necessário mudar o sistema eleitoral no Brasil, como se defende em 11 entre 10 debates sobre reforma política. Se dependesse de mim, eu tentaria implantar as primeiras cinco propostas da Reforma Política Maximalista e avaliaria os resultados depois de umas três ou quatro eleições gerais, antes de pensar em qualquer mudança profunda de sistema eleitoral (minha suspeita é que os maiores problemas se resolveriam e mais reformas seriam desnecessárias). Mas, como estamos no plano dos devaneios e não paga nada sugerir: se é um sistema eleitoral que eu gostaria de ver sendo aplicado é o da eleição proporcional em dois turnos (uma modalidade de “lista flexível”).

Sistema eleitoral

A ideia de eleição proporcional em dois turnos, lançada quando ressurgiram os debates sobre reforma política, não foi aplicada em nenhum país, ao que me consta. Seria, então, uma “jabuticaba” (embora sistemas de lista flexível sejam adotados em países como Áustria, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Grécia, Noruega e Suécia), se você não gosta da ideia, ou uma “inovação” se você, como eu, simpatiza com ela. Como funcionaria?

Para entender a mudança, vamos ver como funciona nosso sistema proporcional atual, de lista aberta: quando votamos para deputado ou vereador, podemos votar no número do candidato ou no número do partido (na legenda). De fato, mesmo quando nosso voto é nominal em um candidato, estamos, de fato, votando, primeiramente, no partido (ou coligação). Quer dizer, quando votamos no candidato, TAMBÉM votamos no partido. O voto nominal vale mais, por assim dizer, que o voto apenas na legenda. Por que? Porque o voto nominal vai para o partido (ou coligação) tal qual o voto na legenda. Só que, secundariamente, ao realizar o voto nominal, o eleitor está exercendo sua prerrogativa de influenciar a ORDEM da lista do partido (ou coligação), já que os candidatos mais votados vão para o topo da lista e, dependendo do número de cadeiras de cada partido/coligação, aumentam as chances de seu candidato votado nominalmente ocupar uma cadeira. Já o voto na legenda vai apenas para o “caixa único” de votos do partido (ou coligação) e ajuda o partido (ou os partidos da coligação) a alcançarem o quociente eleitoral para obter cadeiras.

Aí temos alguns problemas. O primeiro: o eleitor não percebe que seu voto é, sobretudo, um voto no partido (e muito menos na coligação, quando é o caso). Não é para menos: as campanhas eleitorais para deputados e vereadores são feitas, sobretudo, baseando nos candidatos e suas “plataformas” (que, às vezes, é apenas um bordão ou um slogan). Em outras palavras, em um modelo de lista aberta (com a ordem pós-determinada pelos eleitores), as campanhas passam a ser estruturadas mais em torno de pessoas e não em torno de ideias gerais dos partidos. Cada candidato faz sua própria plataforma, com base em seu “nicho” eleitoral. Isso, por sua vez, pode ajudar a afastar eleitores de partidos ou não contribui para aproximá-los e se identificar com seus princípios.

Essa falta de clareza gera muita confusão e desinformação (quando dizem, por exemplo, que o eleitor votou na Fulana, mas elegeu Siclano). O segundo: o eleitor não entende como seu voto se transformou em cadeiras. Isso pode gerar um sentimento de não representatividade de sua vontade e da vontade geral.

Por outro lado, a alternativa mais comum ao sistema proporcional, os sistemas majoritários, traz grandes desvantagens (explicadas aqui) sem resolver os problemas que temos. Por isso, não acredito ser adequado para a realidade brasileira, mesmo em sua forma mista. Outra alternativa, pior ainda, é a do distritão (que explico aqui por que é uma ideia estapafúrdia).

Já a ideia, agora discutida na Câmara, de manter o sistema proporcional, mas mudar para o modelo de lista fechada, o mais comum nos países que usam o sistema proporcional, também traz desvantagens: apesar de potencialmente fortalecer partidos (já que o eleitor não vota mais em candidatos, mas em partidos, que por sua vez farão campanha em cima de uma plataforma única partidária), também enfraquece o poder do eleitor, já que a prerrogativa de ordenar a lista de candidatos sai dos dedos dos eleitores e é transferida para dentro dos partidos (em muitos casos, para os caciques e para a burocracia partidária). O que pode gerar apatia, desafeiçoar os eleitores e afastá-los da política parlamentar, como acontece em diversos países que usam esse sistema.

Assim, o sistema eleitoral proporcional de dois turnos, também chamado de “lista flexível”, promete trazer, no mesmo pacote, as vantagens de cada variação de sistema proporcional (de lista aberta e de lista fechada), mas sem suas respectivas desvantagens. Como funcionaria?

Sistema proporcional em dois turnos

Num 1º turno, o voto do eleitor é dado ao partido, tal como no sistema de lista fechada. Portanto, isso teria o potencial de fortalecer os partidos, que disputariam votos em cima de uma plataforma partidária; poderia baratear as campanhas posto que o gasto para promover milhares de candidatos (como no sistema atual) é, teoricamente, menor do que para promover algumas dezenas de partidos. O eleitor votaria, portanto, num partido, que vai ter apresentado, além de uma plataforma de políticas, uma lista de, no máximo, duas vezes o número de cadeiras em disputa (se a Casa legislativa tem 50 cadeiras, cada partido só pode apresentar uma lista pré-ordenada de 100 candidatos).

Após o 1º turno, os votos são apurados e já será conhecido o número de cadeiras que cada partido vai ter. Então acaba a falsa impressão de que o eleitor vota num candidato, mas elege outro (especialmente já tendo proibido as coligações proporcionais).

No 2º turno, é decidido QUEM vai ocupar cada cadeira de cada partido. Nessa fase, depois de um 1º turno baseado em ideias gerais e plataformas partidárias, voltamos ao sistema nominal, similar ao de lista aberta. A diferença é que a lista pré-ordenada original de cada partido é “cortada” de acordo com o número de cadeiras que cada agremiação conquistou no 1° turno, de modo que o resultado seja uma lista (agora aberta), com o número de candidatos duas vezes maior que o número de cadeiras que o partido conquistou no 1º turno. Aí cabe aos eleitores decidirem quem vai ocupar a cadeira de cada partido.

Ou seja, se o partido conquistou 5 cadeiras no 1° turno, o eleitor pode escolher entre 10 candidatos do topo da lista pré-ordenada (os demais candidatos daquela lista abaixo dos 10 estariam eliminados da disputa) no 2° turno. Já o partido que não conquistou cadeiras não participa do 2º turno (mas o eleitor desse partido poderá participar normalmente e votar em um candidato de outro partido, se assim preferir). Portanto, no 2º turno, o número TOTAL de candidatos será igual ao dobro do número de cadeiras em disputa. Nas regras atuais, CADA PARTIDO pode lançar 1,5 vez o número de candidatos em relação ao número de vagas em disputa. Em teoria, num sistema de 35 partidos, num Estado como São Paulo, com 70 cadeiras em disputa, poderíamos ter até 3.675 candidatos. Já no sistema de “lista flexível”, o número de candidatos efetivamente fazendo campanha seria 140. Ou seja, haveria uma redução brutal (de 96%!) de candidatos em relação a hoje. Complicado? Vamos ver se com um exemplo fica mais claro:

O sistema de lista flexível quebra em duas parcelas (primeiro no partido e depois no candidato) o voto que hoje é dado à vista (o eleitor vota ao mesmo tempo no partido e no candidato). Então, desse modo, deixa claro as duas dimensões do voto, o que pode aumentar a confiança do eleitor no sistema eleitoral e, portanto, no sistema democrático como um todo. Do ponto de vista do eleitor é muito simples: no 1° turno ele vota no partido e, no 2° em um candidato.

Outra vantagem: seria possível, caso a sociedade assim quisesse, determinar, por exemplo, que a lista pré-ordenada tenha alternância de gênero, garantindo que 50% dos candidatos no 2º turno sejam mulheres. Além das várias vantagens dos dois tipos de sistema proporcional, tem um último ponto positivo: o de ser mais didático que o sistema atual. A única desvantagem (pelo menos que pare em pé, porque tem outras mais fracas) é o aumento do custo da eleição em si (urnas, mesários, locais de votação, processamento de resultados etc). Haveria segundo turno em todos os 5.570 municípios. Mas, mesmo essa desvantagem pode ser compensada com folga pela redução de número de candidatos e do consequente custo global das campanhas (é mais barato organizar uma votação do que campanhas caras como as de hoje) e pelo aumento da confiança do eleitor no sistema político.

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11 propostas para uma Reforma Política Maximalista: #5 reforma partidária

Um dos grandes nós de nosso sistema é a percepção de que os partidos são pouco representativos. Em parte, isso deriva da estrutura dessas organizações, que são as únicas capazes de disputar cargos públicos, e que recebem recursos públicos e lidam com políticas públicas – mas são percebidos pela população como um mundo à parte. Pior: há oito anos seguidos, os partidos vem sendo a instituição com a menor taxa de confiança da população, segundo a pesquisa ICS do Ibope. E, em 2016, atingiu a marca de 18% (só melhor que a do ano anterior, 17%), quando a desconfiança foi superada pela Presidência da República (que caiu de 30% para 14%, atingindo não só a pior marca da Presidência desde 2009, mas superando a desconfiança popular de qualquer instituição em qualquer ano da pesquisa, mas isso é outra história).

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Frente a esse quadro, costumam apresentam três propostas para “solucionar” o problema:

  1. cláusula de barreira (como se simplesmente aumentar o número de cadeiras e fundo partidário dos partidos médios e grandes os tornasse melhores; ou, ainda, como se barrar partidos novos programáticos ou fisiológicos ajudasse);
  2.  Implantação do sistema “distrital” (já expliquei aqui por que eu acho que seria uma má ideia); e
  3. permitir candidaturas “avulsas” sem partido (movimento que começa a ganhar força, embora tenha poucas chances de prosperar). Outro caminho totalmente equivocado: politica é um projeto coletivo, ninguém é (ou ninguém deveria ser) candidato de si mesmo. Partidos servem justamente para acolher essa construção coletiva. É difícil, exige escutar o outro, exige disputar, convencer, conceder. Política não é o bloco do eu sozinho. Partidos servem pra organizar o debate, dar coerência ideológica a agendas parciais que, de outro modo, estariam dispersas. E também servem de referência programática e ideológica ao eleitor. E se não estão servindo a esses propósitos, aí é o caso de reformar o sistema para torna os partidos mais representativos e mais abertos, e não solapar e abandonar a forma partido como um todo.

De pouco adianta mudar o sistema eleitoral se os partidos seguem sendo organizações pouco permeáveis aos cidadãos e controlados por dirigentes que inspiram pouca confiança. Mudar a forma como os partidos se financiam (como propomos aqui e aqui) ajuda, e é um passo fundamental.

Mas é preciso pensar em mudanças específicas para o funcionamento dessa instituição fundamental de todas as democracias representativas. Um caminho que parece promissor é o proposto por Humberto Laudares, em artigo publicado no jornal online Nexo. Para começar, ele defende que sejam adotados para partidos políticos critérios e instrumentos de transparência como os estabelecidos na Lei de Acesso à Informação (LAI).

Vídeo da campanha do Movimento Transparência Partidária

Nada mais justo. Afinal, partidos políticos recebem recursos públicos. Nada mais justo que eles se sujeitem ao controle social e a regras de transparência de um regime republicano. A LAI estabelece uma série de regras para as três esferas do poder público, e para os três poderes, sobre como informações públicas devem estar dispostas ao cidadão, seja por meio de canais de pedido de informação, seja por meio da divulgação ativa de informações públicas (como Orçamento, contratos, licitações). Mas no Brasil os partidos, que são pessoas jurídicas de direito privado, são verdadeiras caixas-pretas. No Chile, conta Laudares, depois de um grande escândalo de corrupção, os partidos passaram, na prática, a ser pessoa jurídica de direito público: os cargos diretivos passaram a ser preenchidos por eleições diretas de militantes e os partidos foram submetidos a regras de transparência e acesso à informação.

Outra mudança da reforma partidária chilena foi a exigência de recadastramento nacional de militantes para que recebessem recursos do fundo partidário. Exigir, como contrapartida ao acesso a fundos públicos, que partidos se submetam a regras de democracia interna e a um tipo específico de Lei de Transparência e Acesso à Informação (inclusive publicando em seus sites, periodicamente, informações definidas em lei, como balanços mensais, organogramas, contas eleitorais; lista de bens de dirigentes etc.) pode ajudar a melhorar a qualidade dos partidos que temos.Transparência partidária

Além disso, outra condição para partidos acessarem recursos do fundo partidário seria a exigência de primárias e eleições diretas tanto para cargos majoritários (executivo e senador) quanto para a composição e ordem das listas partidárias das eleições proporcionais (deputado federal, deputado estadual e vereador). Democratizar os partidos, tornando-os mais transparentes e permeáveis à participação de seus militantes, pode ser um passo importante para melhorar tanto a falta de representatividade dos partidos quanto a falta de confiança popular nessa instituição.

A plataforma Mudamos, um aplicativo de coleta de assinaturas eletrônicas para transformar propostas (algumas das quais eu discordo, como permitir candidatura avulsa, sem partido, mas outras bem interessantes) em projeto de lei de iniciativa popular, incluiu uma proposta do Movimento Transparência Partidária para aumentar a transparência dos partidos para tentar ser discutida no Congresso.

A solução para melhorar a política não é nem “reforçando” os partidos que aí estão em detrimento do voto nos novos (e antigos) partidos programáticos, e nem tampouco incentivar o abandono dos partidos em favor de candidaturas de si mesmo, aumentando ainda mais o personalismo, aprofundando a crise dos partidos e a incoerência ideológica na política. Ao contrário: precisamos de partidos mais fortes, sim, mais a partir do aumento do engajamento cidadão e da confiança da população dessa instituição fundamental das democracias participativas. Aumentar a transparência partidária e torná-los mais permeáveis à participação são passos importantes nessa direção.

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